O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta semana o julgamento sobre a adoção ou não de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Com o voto do ministro Dias Toffoli, o placar está em cinco a dois contra a tese que diz que povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A votação será reiniciada na sessão desta quinta-feira (21). Se mais um ministro rejeitar o marco, será formada maioria na Corte.
Como está a votação
Até o momento, votaram contra a tese:
- Edson Fachin (relator)
- Alexandre de Moraes
- Cristiano Zanin
- Luís Roberto Barroso
- Dias Toffoli
Votaram a favor do marco temporal:
- Nunes Marques
- André Mendonça
O processo no Supremo projeta um embate com o Legislativo, já que foi pautado ao mesmo tempo que o debate sobre o tema avança no Congresso: a Câmara dos Deputados aprovou em maio um projeto de lei (PL) para restringir as demarcações — a proposta está agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Na quarta-feira (20), a sessão da CCJ foi marcada por mensagens diretas aos ministros do STF. Senadores defendem o que consideram a prerrogativa do Congresso de legislar sobre o assunto.
Ao colocar a ação na pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao projeto de lei. Deputados e senadores ligados ao agro esperavam dissuadir a Corte de retomar o julgamento.
Rosa Weber, conhecida pela defesa de pautas de direitos humanos, corre contra o tempo para votar no caso. A ministra se aposenta compulsoriamente no fim do mês e sinalizou aos colegas que não gostaria de deixar o tribunal sem participar deste julgamento.
Avaliações colhidas pelo jornal O Estado de S. Paulo dizem que, se os ministros decidirem que a tese é inconstitucional, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto.
— Entendo que o PL, internamente, até poderia tramitar. Contudo, o STF poderia novamente declarar sua inconstitucionalidade. Ou seja, ele seria inócuo. Não surtiria efeitos na prática — afirmou o constitucionalista Georges Abboud, professor da PUC de São Paulo.
Cláusula pétrea
Se os parlamentares insistirem na votação do PL, o Supremo teria pelo menos dois caminhos disponíveis:
- aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for aprovado e promulgado, esperar o ajuizamento de alguma ação para voltar a analisar o tema
- controle prévio de constitucionalidade; a atuação preventiva acontece, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição
— O Supremo dará uma decisão que, seguramente, será de bom-senso, mas um PL não tem qualquer possibilidade de se sobrepor à Constituição. O que está em jogo é a interpretação da Constituição dada pelo seu máximo intérprete, que é o Supremo Tribunal Federal. Um PL não vai alterar isso — defendeu o ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo Belisário dos Santos Júnior.
O ex-secretário afirma que, a partir do julgamento do STF, mesmo uma proposta de emenda à Constituição (PEC) teria dificuldades de prosperar:
— Esses direitos dos indígenas são cláusula pétrea e não podem ser alterados.
O relator do caso, Edson Fachin, se pronunciou contra o marco temporal, assim como os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Os cinco entendem que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese.
O julgamento entrou, na quarta-feira, na 10ª sessão. Toffoli foi o único a votar e afirmou que as demarcações dependem de um vínculo comprovado com o território, mas que esse vínculo não está, necessariamente, na data de promulgação da Constituição.
— É uma controvérsia que é julgada, se nós formos olhar pelo olhar da história, pelos invasores. Nós estamos aqui a julgar a pacificação de uma situação histórica. Nós estamos julgando o destino dos povos originários do nosso país — disse.
"Recados" ao Supremo
No Senado, a votação do marco temporal foi adiada para a próxima semana.
— É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado — afirmou o senador Weverton Rocha (PDT-MA) durante a sessão da CCJ da Casa.
Para o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), o STF só poderia se pronunciar sobre o tema quando sancionada a lei. Enquanto a discussão estiver no Congresso, afirma ele, a Corte não pode intervir.
— São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o parlamento não poder legislar sobre isso. Cada um cumpre o seu papel.
Senadores aproveitaram a discussão do projeto que busca transformar em lei o marco temporal para enviar mensagens ao Supremo.
— Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos — afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).
— Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF — disse Sergio Moro (União-PR).