O hacker Walter Delgatti Neto, conhecido por ter acessado diálogos de membros da Operação Lava-Jato, prestou depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do 8 de Janeiro nesta quinta-feira (17). Ele começou a falar para a oitiva por volta de 9h40min.
Delgatti está preso preventivamente desde o início de agosto. Ele é investigado por suposta invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com inserção de documentos e alvarás de soltura falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). Foram apresentados seis requerimentos para a convocação de Delgatti no colegiado.
Esse e outros temas foram discutidos durante depoimento nesta quinta-feira.
Confira as principais alegações do hacker:
Promessa de indulto
O hacker disse à CPI que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria lhe oferecido um indulto (algo como perdão da pena) para que violasse medidas cautelares da Justiça e invadisse o sistema das urnas eletrônicas para expor supostas vulnerabilidades.
Segundo Delgatti, a conversa com Bolsonaro teria acontecido no Palácio da Alvorada e contado com a participação da deputada Carla Zambelli (PL-SP), do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e do coronel Marcelo Câmara.
— Estou à disposição para qualquer acareação, ele (Bolsonaro) me deu carta branca para fazer qualquer coisa com as urnas eletrônicas, eu poderia fazer um ilícito e receberia indulto — disse.
Código-fonte falso para apontar fragilidades nas urnas
Ele disse também que recebeu uma encomenda de Bolsonaro e de sua equipe de campanha, no dia 8 de agosto de 2022, para manipular o código-fonte da urna eletrônica. Da parte técnica, Bolsonaro teria dito que não entendia, mas concordava com a ideia de uma versão adulterada do código-fonte das urnas eletrônicas para fazer uma demonstração pública e, assim, desqualificar o sistema eleitoral. A ideia teria sido do marqueteiro de Bolsonaro, Duda Lima.
O hacker não apresentou prova, mas a narrativa conversa com episódios que entraram para o anedotário do TSE. Embora o código-fonte tivesse sido disponibilizado quase um ano antes para fins de auditoria, no dia 1º de agosto de 2022, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, enviou ao TSE um ofício classificado de "urgentíssimo", dando prazo até 12 de agosto para o TSE disponibilizar "os códigos-fontes dos sistemas eleitorais, mais especificamente do Sistema de Apuração (SA), do Sistema de Votação (VOTA), do Sistema de Logs de aplicações SA e VOTA e do Sistema de Totalização (SisTot)".
Invasão do sistema para desmoralizar o Judiciário
O hacker revelou que fez ainda uma invasão aos sistemas internos (intranet) do Judiciário para desmoralizar esse Poder da República. Questionado pela relatora da CPI, deputada Eliziane Gama (PSD-MA), sobre o motivo da invasão, Delgatti afirmou que, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes dizia que o sistema era inviolável, seria uma forma de desmoralizar a Justiça brasileira.
— Uma forma de mostrar a fragilidade seria o quê? Eu invadindo e despachando, como se fosse o ministro, com o token (dispositivo gerador de senha) dele, a assinatura dele, um mandado de prisão contra ele mesmo. Inclusive, no final, eu falo: 'publique-se, intime-se e faça o L' — destacou.
Texto de falso mandado de prisão contra Moraes
Delgatti disse que partiu de Carla Zambelli o texto de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. O falso mandado foi inserido no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça e descoberto em 5 de janeiro.
— A deputada me enviou um texto pronto, eu corrigi alguns erros, contextualizei e publiquei a decisão — revelou.
Oportunidade de emprego
O hacker afirmou que atuou a pedido da deputada Zambelli e que a parlamentar teria dito a ele que a invasão do sistema do judiciário foi um pedido de Bolsonaro.
Delgatti relatou também que cometeu esse crime porque a deputada teria prometido um emprego. Como o emprego não chegava, ele pediu dinheiro adiantado para pagar as contas. O hacker disse que recebeu, ao todo, R$ 40 mil.
Relatório sobre urnas eletrônicas
Delgatti disse que teria orientado os militares responsáveis por produzir o relatório das Forças Armadas sobre a segurança das urnas eletrônicas, que foi entregue no dia 9 de novembro de 2022.
— Eu apenas não digitei, mas fui eu quem fez ele, porque tudo que consta nele foi orientado por mim — sustentou Delgatti.
Segundo ele, o trabalho junto aos militares foi uma ordem do ex-presidente após uma reunião no Palácio da Alvorada no dia 10 de agosto de 2022.
O hacker disse que esteve cinco vezes no Ministério da Defesa, entrou pela porta dos fundos do prédio e se reuniu com o ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, além de servidores ligados à área de Tecnologia da Informação da pasta.
— Eu posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse, não tem nada menos e nada mais — concluiu.
"Grampo" contra Moraes
O hacker declarou também ter ouvido, em reunião com Bolsonaro, que o governo já tinha conseguido grampear o ministro Alexandre de Moraes. De acordo com Delgatti, o ex-presidente teria sugerido que o hacker "assumisse a autoria" deste grampo.
— A informação que eu tenho é que ele já estava grampeado. Já existia o grampo. Segundo ele (Bolsonaro), naquela data, havia um grampo concluído — afirmou.
"Criminoso contumaz"
Delgatti, que ficou conhecido por ter acessado diálogos de membros da Operação Lava-Jato, teve momentos de embate com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) durante depoimento à CPI nesta quinta-feira. Ao ser confrontado por Moro, que citou passagens dele pela polícia e até uma condenação, Delgatti chamou o parlamentar e ex-juiz titular da força-tarefa em Curitiba de "criminoso contumaz".
— Eu fui vítima de uma perseguição em Araraquara, inclusive comparável à perseguição que o senhor fez com o presidente Lula e o PT. Ressaltando que eu li as conversas de vossa excelência, li a parte privada, e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz. Cometeu diversas irregularidades e crimes — disse Delgatti.
— Eu vejo colegas tomando a palavra dele como se fosse uma verdade absoluta, quando estamos diante de um estelionatário condenado. Esse herói já fez como vítima diversas pessoas inocentes, não só hackeando, mas roubando valores — declarou Moro.
Delgatti rebateu as afirmações do ex-juiz dizendo que ele espalha fake news. Moro então perguntou qual foi a intenção de Delgatti ao invadir o celular do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AL). Ele respondeu que foi imparcial e que chegou a invadir um celular registrado com o nome o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que não tinha nada no dispositivo.
O que dizem as defesas
Jair Bolsonaro
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta quinta-feira, que o hacker Walter Delgatti Neto apresentou "informações e alegações falsas" em depoimento à CPI que investiga os atos golpistas de 8 de Janeiro.
A nota diz que "considerando as informações prestadas publicamente pelo depoente Sr. Walter Delgatti Neto perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito na presente data, a defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, informa que adotará as medidas judiciais cabíveis em face do depoente, que apresentou informações e alegações falsas, totalmente desprovidas de qualquer tipo de prova, inclusive cometendo, em tese, o crime de calúnia".
Além disso, diz que, "diante de informações prestadas pelo Sr. Walter Delgatti Neto, quando de sua passagem pelo Palácio da Alvorada, acerca de suposta vulnerabilidade no sistema eleitoral, o então Presidente da República, na presença de testemunhas, determinou ao Ministério da Defesa a apuração das alegações, de acordo com os procedimentos legais e em conformidade com os princípios republicanos, seguindo o mesmo padrão de conduta observado em todas as suas ações enquanto chefe de Estado. Após tal evento, o ex-Presidente nunca mais esteve na presença de tal depoente ou com ele manteve qualquer tipo de contato direto ou indireto".
Carla Zambelli
Em nota divulgada nesta quinta-feira, o advogado Daniel Bialski, que defende Zambelli, "refuta e rechaça qualquer acusação de prática de condutas ilícitas e ou imorais pela parlamentar, inclusive, negando as aleivosias e teratologias mencionadas pelo senhor Walter Delgatti".
E continua: "Observa-se que citada pessoa, como divulgado em diversas reportagens, usa e abusa de fantasias em suas palavras. Suas versões mudam com os dias, suas distorções e invenções são recheadas de mentiras, bastando notar que a cada versão, ele modifica os fatos, o que é só mais um sintoma de que a sua palavra é totalmente despida de idoneidade e credibilidade.
"Ademais, esclareça-se que a defesa ainda não teve acesso aos autos da investigação e assim que possível, se manifestará de forma mais ampla, justamente para desmerecer publicamente os embustes criados", conclui a nota.