O advogado Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF), é sabatinado nesta quarta-feira (21) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Zanin, que defendeu Lula em processos da Lava-Jato, foi o nome apresentado para ocupar a cadeira do ex-ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril. Se aprovada na comissão, a indicação é apreciada, por meio de voto secreto, pelo plenário do Senado. São necessários 41 dos 81 votos para que ele assuma a vaga.
— Sei a distinção entre papel de advogado e ministro do STF — disse Zanin na sabatina, na qual falou ainda sobre temas como a sua relação com o presidente da República, papel do STF, legalização das drogas, aborto, entre outros assunto.
Veja a seguir os principais tópicos abordados.
Marco temporal
O indicado pelo presidente Lula disse que o julgamento do marco temporal deverá "sopesar valores e chegar a uma forma de conciliar" os interesses de povos indígenas e proprietários de terras.
— Nossa Constituição vê o direito à propriedade e o direito dos povos originários — afirmou Zanin.
O julgamento do marco temporal pelo STF determinará se populações indígenas podem reivindicar territórios que não ocupavam em 1988, quando foi promulgada a Constituição. O assunto é do interesse do agronegócio. Congressistas ligados ao setor já conseguiram aprovar um projeto na Câmara vedando a demarcação de terras ocupadas depois de 1988.
Imparcialidade e relação com Lula
Cristiano Zanin, que defendeu Lula nos processos da Lava-Jato, disse que o presidente o indicou por causa de seu trabalho jurídico, e que será subordinado apenas à Constituição.
O advogado disse que "estabeleceu uma relação" com o presidente, que conheceu sua atuação profissional. Nessa convivência, afirmou, conseguiu compreender a visão de Lula sobre os papéis dos Poderes. Em sua análise, Zanin disse que o presidente espera que ele se guie pela Constituição e pelas leis.
Disse que a busca pela imparcialidade nos julgamentos é marca de sua carreira jurídica e elemento estruturante do Judiciário. Zanin também afirmou que, se nomeado, julgará de forma imparcial e observará os momentos que exijam impedimentos a seu julgamento.
— Há regras sobre impedimento e suspeição, e as cumprirei na integralidade — assegurou.
Combate à corrupção
O advogado Cristiano Zanin ressaltou que o combate à corrupção é fundamental, mas sempre com a observância do devido processo legal.
— O que não pode acontecer é usar combate à corrupção como pretexto para perseguir pessoas e instituições. Você cria acusações sem materialidade, promove simultaneamente uma campanha contra o alvo para alcançar fins ilegítimos, isso é o lawfare, isso não podemos aceitar — afirmou.
Como advogado de Lula na Lava Jato, Zanin foi autor de ação que anulou a condenação do presidente apontando a imparcialidade do juiz responsável pela operação, Sergio Moro (União-PR). Hoje senador, Moro participou da sabatina.
Decisões monocráticas e o papel do STF
Zanin elogiou as medidas tomadas pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber, que limitaram as decisões monocráticas (tomadas por um só ministro) e estabeleceram um prazo para a devolução de pedidos de vista.
— Decisões monocráticas sempre estarão sujeitas ao crivo dos demais ministros do STF — avaliou em sua sabatina.
O indicado lembrou que, de acordo com o novo regimento do STF, o tribunal "em regra" julga de forma colegiada. Ainda destacou que o STF "não tem o papel de legislar, esse papel é do Congresso e isso está disposto na nossa Constituição".
— Não tenho nenhuma dúvida de que é necessário que esses limites sejam observados, limites e espaços institucionais de cada Poder, para assegurar que haja um relacionamento harmonioso — afirmou Zanin.
De acordo com ele, essas medidas são importantes para dar à sociedade "uma resposta do tribunal em menor espaço de tempo".
Promessa de impedimento
Na sabatina, Zanin prometeu que irá se declarar impedido nos processos em que tenha atuado como advogado — o que inclui ações da Lava-Jato em que defendeu Lula.
O advogado destacou que a "imparcialidade é estruturante da própria Justiça" e que sistema de Justiça funciona em razão da sua credibilidade:
— Todas as medidas que eu puder adotar para assegurar a credibilidade do sistema de justiça, eu adotarei.
Em relação a impedimentos futuros, ele disse que terá que analisar o conteúdo dos processos e partes envolvidas para decidir:
— Há regras sobre impedimento e suspeição, e as cumprirei na integralidade.
O advogado também reforçou que "não cabe ao magistrado criar o direito, o direito tem que ser criado pelo Congresso Nacional". E disse que o STF não tem o papel de legislar:
— Juiz não deve combater nada, tem o dever de julgar. Combate é atribuição de outras carreiras.
Drogas
Indagado sobre a legalização das drogas — a descriminalização do porte de entorpecentes para consumo próprio está em debate no STF —, Zanin disse ver com "otimismo" o fato de o Congresso ter revisitado a Lei de Drogas para diferenciar o usuário do traficante.
— Vejo com bastante otimismo o fato de o Congresso e este Senado ter revisitado a Lei de Drogas para alocar, diferenciar ali o usuário do traficante, estabelecer penas mais amenas. Foi um papel importante — respondeu.
Aborto
Zanin não expressou claramente posição sobre o aborto, mas disse que o direito à vida está previsto na Constituição e lembrou dos casos previstos em lei.
— O direito à vida está expressamente previsto na constituição. É uma garantia fundamental. Nessa perspectiva, temos que enaltecer o direito à vida, porque aí estamos cumprindo o que diz a Constituição da República — afirmou. — Também nesse assunto existe um arcabouço normativo consolidado, tanto da tutela do direito à vida, como também as hipóteses de exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez como prevê o artigo 128 do Código penal — acrescentou.
Regulamentação das redes sociais
Questionado sobre sua posição em relação à regulação das plataformas digitais, Cristiano Zanin declarou ver necessidade de o Congresso se debruçar sobre a questão. Ele evitou responder sobre a matéria que tramita na Corte, que questiona o artigo 19 do Marco Civil da Internet.
— O tema das redes sociais está em discussão em âmbito global, alguns países fizeram legislação específica (sobre o tema). Acredito que haja necessidade de o Congresso Nacional se debruçar para analisar a necessidade de disciplinar a questão das redes sociais sem jamais comprometer a liberdade de expressão — afirmou.
Ele disse que uma eventual regulação das big techs deveria conter regras que possam viabilizar o exercício de um direito sem comprometer a esfera jurídica de outra pessoa. O advogado defendeu a liberdade de expressão, mas disse que ela não é um "direito absoluto" e não protege o cometimento de crimes.
"Pescaria probatória"
Zanin afirmou ser inaceitável a prática chamada de fishing expedition, ou pescaria probatória, em que buscas de provas são feitas sem causa provável ou com causas diferentes daquilo que realmente se busca, para atingir pessoas. Ele lembrou que os tribunais têm anulado processos que se deram com base nessa prática e ressaltou que suas declarações não se referiam a nenhum caso concreto, mas à Justiça de forma geral.
— É uma prática que deve ser condenada, porque o Estado não pode eleger alguém como alvo e depois buscar provas contra esse alvo. A atividade de persecução deve ser justificada na sua origem e seguir todos os ritos previstos em lei para ser legítima — disse Zanin.
Palestras remuneradas
Questionado sobre o pagamento de palestras a ministros do STF por parte de empresas ou advogados, Zanin apontou que a Constituição de 1988 prevê a possibilidade de o magistrado ter atividade acadêmica.
Igualdade salarial
Após uma senadora destacar projeto de lei que torna a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens obrigatória, Zanin afirmou que medidas legislativas são importante para corrigir injustiças:
— O Congresso já editou leis relevantes e que hoje estão sendo aplicadas com esse objetivo. Eventualmente, novas leis poderão ser pensadas sem prejuízo de consolidar, na cultura brasileira, a necessidade de assegurar o espaço as mulheres em todas as áreas.
Opinião pública
Cristiano Zanin afirmou que um ministro do STF, ou um magistrado qualquer, não pode se guiar pela opinião pública, que tem legitimidade de se informar sobre os processos judiciais e participar das discussões públicas, “mas muitas vezes não tem conhecimento do conteúdo dos autos ou das questões técnicas que estão em discussão”.
Zanin acrescentou que, por isso, é preciso ter cuidado para que a voz da opinião pública não seja uma voz determinante no julgamento de um processo ou de uma causa.
— A meu ver, o que deve ser determinante é o conteúdo dos autos e o que dizem a Constituição e as leis. O julgador não está numa posição de ter que agradar a opinião pública, ao contrário: muitas vezes, ele tem que ser contramajoritário, justamente para poder assegurar o que diz a Constituição e o que dizem as leis — concluiu.