Com três comissões parlamentares de inquérito (CPIs) em andamento na Câmara, o governo tenta reagrupar a base aliada numa semana decisiva para a votação do arcabouço fiscal. A profusão de CPIs incomoda o Palácio do Planalto e ameaça dispersar os deputados ante os holofotes oferecidos pelas investigações.
Por enquanto, o maior incômodo ao governo é a CPI do MST. Comandada pela oposição e com maioria formada por representantes do agronegócio, a comissão pretende apurar as invasões de terra país afora, buscando eventual apoio do governo ou mesmo patrocínio federal às ações dos sem-terra. Os primeiros requerimentos devem ser votados nesta terça-feira (23). Presidente da CPI, o deputado gaúcho Tenente-coronel Zucco (Republicanos) passou o dia ontem em reuniões prévias, discutindo o plano de trabalho e o foco das apurações.
Um dos objetivos será apurar se o Programa de Aquisição de Alimentos, destinado a comprar a produção de agricultores familiares, muitos deles em assentados ou com vínculos no MST, serviu para financiar o movimento.
Para desgastar o governo, está no radar da CPI convocar diretores estaduais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, se possível, o próprio ministro do Desenvolvimento Agrário, o petista Paulo Teixeira. Já há pedidos para convocação de coordenadores nacionais do MST, como João Pedro Stédile e João Paulo Rodrigues, bem como dos ministros Flávio Dino (Justiça) e Carlos Fávaro (Agricultura).
Com apenas sete dos 27 integrantes, a base governista reage mirando o líder ruralista e ex-secretário nacional de Assuntos Fundiários do governo de Jair Bolsonaro, Nabhan Garcia. O próprio MST trabalha na elaboração de dossiês sobre os componentes da CPI, sobretudo o relator, Ricardo Salles (PL), ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro e investigado por suposto favorecimento ao contrabando de madeira.
— O governo demorou a entender os riscos dessa CPI e perdeu o controle e até maioria. O interesse da oposição é vincular Lula às invasões, mostrando como o PT é aliado histórico do MST e até estimula as ocupações. Isso pode atrapalhar a agenda do Planalto diante de uma base que já é fluída — comenta o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa.
Levantamentos históricos na documentação do Congresso mostram que nunca um presidente em início de mandato conviveu com tantas CPI ao mesmo tempo. Além da investigação do MST, há comissões mirando a manipulação de apostas no futebol e a recuperação judicial das Lojas Americanas. A CPI Mista dos Atos Golpistas, dedicada a apurar as invasões de 8 de janeiro, perdeu força e corre risco de ser engavetada por falta de indicações dos partidos para sua composição. Embora apenas a CPI do MST tenha foco no governo (veja quadro), é consenso que as investigações dispersam o interesse dos deputados.
— CPI sempre atrapalha. Polui o ambiente geral e se torna é um palanque. Além do mais, nunca se sabe o que vai aparecer — resume César.
O avanço das CPIs coincide com a intenção do governo em destravar a pauta de votações, aprovando temas polêmicos como o arcabouço fiscal e acelerando as discussões da reforma tributária.
Para o consultor político Antônio Augusto Queiroz, as CPIs devem fazer barulho, mas não a ponto de prejudicar o ritmo das votações. Mesmo reconhecendo que a CPI do MST pode chamuscar o governo e forçar as bancadas mais fiéis a se desdobrar entre o plenário e a comissão, Queiroz aposta na articulação política do Planalto para fazer andar a pauta governista.
— O governo vai negociar ponto a ponto e não vai ter nenhum constrangimento em liberar emendas para fazer valer sua força — afirma Queiroz, que por 35 anos foi diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
As CPIs
CPI do MST
Concebida para investigar invasões de propriedades rurais invadidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é a que mais deve incomodar o governo. Dominada pela oposição, visa ainda apurar suposto patrocínio estatal ao MST. Tem quatro gaúchos na composição, três deles titulares: Tenente-coronel Zucco (Republicanos), Daiana Santos (PCdoB) e Lucas Redecker (PSDB). Dionilso Marcon (PT) é suplente.
CPI das Apostas no Futebol
Criada para apurar o escândalo das apostas manipuladas no futebol brasileiro. O caso já é investigado pelo Ministério Público de Goiás, com indiciamento de jogadores, apostadores e financiadores. Tem três gaúchos na composição, apenas um titular: Luciano Azevedo (PSD). Afonso Hamm (PP) e Denise Pessoa (PT) são suplentes.
CPI das Americanas
Instalada para investigar a crise financeira das Lojas Americanas, em recuperação judicial. Há suspeitas de fraude contábil na empresa, cuja dívida de R$ 43 bilhões abriga inconsistências fiscais da ordem de R$ 20 bilhões. Do RS, apenas Fernanda Melchionna está na CPI, como suplente.