A resistência do governo em aceitar a criação de uma CPI para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro fez a oposição acreditar que teria discurso por quatro anos e que alguma coisa muito grave estaria sendo escondida. Com o surgimento das imagens que o general Gonçalves Dias tentou colocar em sigilo por cinco anos, nas quais ele aparece dentro do Palácio do Planalto, a CPI Mista ganhou fôlego e o governo foi obrigado a ceder. Isso não significa que a oposição conseguirá mudar a história do 8 de janeiro com discursos e suposições.
A CPI é uma disputa de narrativas, mas esta é a primeira em que se poderá confrontar o que for dito com o que comprovadamente ocorreu naquele domingo de triste lembrança. Com parlamentares experientes participando da comissão, não será possível emplacar as versões distorcidas que circulam nas redes sociais e que tentam transformar as vítimas em culpados.
É muito simplório dizer que os bolsonaristas que promoveram a quebradeira só o fizeram porque não encontraram resistência policial ou, no caso do Palácio do Planalto, porque houve conivência dos integrantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a começar pelo general que pediu demissão assim que a CNN divulgou as imagens.
Os vândalos vestidos de verde e amarelo ou enrolados na bandeira do Brasil já chegaram à Praça dos Três Poderes quebrando o que encontravam pela frente. Não contentes de depredar o patrimônio público, ainda transmitiram pelas redes sociais e facilitaram o trabalho da polícia de identificá-los e prendê-los.
Falhou a segurança que deveria ter sido feita pela Polícia Militar do Distrito Federal, à época sob responsabilidade do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que havia viajado para a Flórida em férias. Falharam os órgãos de inteligência, que não detectaram a possibilidade de a turba quebrar vidraças, destruir móveis e obras de arte. Essas falhas não tiram a responsabilidade quem promoveu o quebra-quebra e de quem financiou os atos golpistas.
Sim, golpistas. Porque o objetivo escrito nos cartazes dos acampamentos em frente aos quartéis e na manifestação daquele domingo, qual era? Intervenção militar. Isso é golpismo. Qualquer movimento para tentar impedir a posse de um presidente eleito é golpismo. Ainda bem que as Forças Armadas não deram trela para os aloprados.
Na CPI, governo e oposição devem indicar seus parlamentares “bons de briga”, para garantir o controle da narrativa. O grupo que conseguir ser mais incisivo nos questionamentos aos depoentes e que tirar mais coelhos da cartola nas sessões leva vantagem. A investigação que conta é a da Polícia Federal, que tem instrumentos e preparo técnico para desvendar casos mais complicados.
Aliás
Diante das suspeitas de envolvimento dos generais Braga Netto, que concorreu a vice de Jair Bolsonaro, e de Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, é provável que os dois sejam convocados a depor. Os militares flagrados em conversa amistosa com os baderneiros foram nomeados por Heleno.
Meus garotos
A intenção de Jair Bolsonaro de colocar os filhos Flávio (senador) e Eduardo (deputado federal) na CPI pode arrastá-lo para o meio da confusão. Quem faz essa avaliação é o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto.
A Costa Neto se aplica o dito popular que “mais sabe o diabo por velho do que por diabo”. O presidente do PL sabe como poucos como a banda toca no Congresso.
A relação de Bolsonaro com os filhos lembra o pai do Cascatinha, personagem de Chico Anísio, considerado um gênio pelo pai. O quadro dos dois sempre terminava assim:
— Meu garoto!
— Meu paipai!
Foi sem querer querendo
Em depoimento à Polícia Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse que compartilhou por engano, no dia 11 de janeiro, um vídeo questionando o resultado da eleição. Esse vídeo é interpretado como apoio aos atos golpistas de 8 de janeiro.
Como é sabido que o filho Carlos Bolsonaro tinha as senhas das redes sociais de Bolsonaro, é legítimo perguntar se foi dele mesmo a postagem, apagada logo depois. Ou foi Carluxo? Se foi Bolsonaro, a explicação lembra a célebre frase “foi sem querer querendo”, bordão do personagem Chaves.