Entre os deputados federais e senadores do Rio Grande do Sul, ao menos 17 indicaram a destinação de recursos via emenda de relator, mecanismo criado no Congresso Nacional e conhecido como orçamento secreto. Os dados constam em ofícios encaminhados pelos próprios parlamentares ao Supremo Tribunal Federal (STF), compilados pelo jornal O Globo.
Identificadas pelo código RP-9, as emendas de relator foram criadas para ampliar a quantia de verbas enviadas por congressistas para seus redutos eleitorais. Na prática, os parlamentares recomendam ao relator do orçamento do ano que inclua suas demandas no plano de investimentos do governo federal.
No início, o mecanismo não identificava o responsável por indicar a emenda. Diante disso, a ministra Rosa Weber, do STF, chegou a suspender os pagamentos. Mais tarde, ela liberou os repasses, mas determinou que deputados e senadores informassem quanto indicaram nos orçamentos de 2020 e 2021 via RP-9.
Entre os gaúchos, até a semana passada, 18 deputados (ou suplentes que exerceram mandato) e os três senadores haviam prestado informações. Destes, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL) e o deputado Henrique Fontana (PT) e os senadores Lasier Martins (Podemos) e Paulo Paim (PT) informaram que não utilizaram as emendas de relator.
Lucas Redecker (PSDB) e Ubiratan Sanderson (PL) admitiram ter indicado recursos, mas não mencionaram os valores encaminhados. Outros 15 parlamentares relacionaram as quantias encaminhadas via RP-9.
Por outro lado, 14 deputados ainda não enviaram as informações ao Supremo. Oficialmente, o prazo para o encaminhamento terminou em março, mas o Congresso tenta convencer Rosa Weber a ampliar o limite.
Embora o orçamento secreto tenha sido revelado como um mecanismo do governo federal para conquistar apoio no Congresso, todos os deputados consultados pela reportagem negaram peremptoriamente ter assumido algum compromisso com o Palácio do Planalto em troca da liberação das emendas.
Um dos deputados que utilizaram a RP-9, Jerônimo Goergen (PP) diz que a emenda de relator substituiu o que, em gestões anteriores, era conhecido como "recurso extraorçamentário". Esses recursos também eram indicações de deputados para o orçamento. A diferença, aponta o parlamentar, é que o formato atual fica sob controle do Congresso, não do governo.
— Sou historicamente contra emendas parlamentares, penso que o ideal é que não existissem. Mas, como existem, não vou deixar de buscar recursos para a nossa base — argumenta Goergen.
Já o senador Lasier Martins rejeita o mecanismo e afirma que ele retira poderes do governo federal:
— Está se descaracterizando o poder do Executivo de dizer quais são as obras e os projetos preferenciais. Agora estamos vendo que o Legislativo chega a controlar 24% do orçamento da União, o que não é correto — aponta Lasier.
Veja quanto cada parlamentar gaúcho declarou ter indicado via emenda de relator:
Deputados
- Afonso Hamm (PP) - R$ 19.566.477,34
- Bibo Nunes (PL) - R$ 27.400.000,00
- Carlos Gomes (REP) - R$ 7.748.157,00
- Covatti Filho (PP) - R$ 25.308.571,00
- Danrlei de Deus (PSD) - R$ 9.400.000,00
- Fernanda Melchionna (PSOL) - não indicou
- Giovani Feltes (MDB) - R$ 26.900.000,00
- Henrique Fontana (PT) - não indicou
- Jerônimo Goergen (PP) - R$ 18.650.000,00
- Lucas Redecker (PSDB) - não informou o valor
- Marcelo Brum (REP)* - R$ 19.108.200,00
- Márcio Biolchi (MDB) - R$ 33.742.000,00
- Marlon Santos (PL) - R$ 13.730.000,00
- Nereu Crispim (PSD) - R$ 18.454.900,00
- Osmar Terra (MDB) - R$ 14.399.910,00
- Paulo Caleffi (PSD)* - R$ 10.681.926,00
- Pedro Westphalen (PP) - R$ 23.424.270,00
- Ubiratan Sanderson (PL) - não informou o valor
*Suplentes que exerceram mandato
Senadores
- Lasier Martins (Podemos) - não indicou
- Luis Carlos Heinze (PP) - R$ 36.500.000,00
- Paulo Paim - não indicou
Os seguintes deputados ainda não enviaram informações ao STF:
- Afonso Motta (PDT)
- Alceu Moreira (MDB)
- Daniel Trzeciak (PSDB)
- Dionilso Marcon (PT)
- Elvino Bohn Gass (PT)
- Giovani Cherini (PL)
- Heitor Schuch (PSB)
- Liziane Bayer (Republicanos)
- Marcel van Hattem (Novo)
- Marcelo Moraes (PL)
- Maria do Rosário (PT)
- Maurício Dziedricki (Podemos)
- Paulo Pimenta (PT)
- Pompeo de Mattos (PDT)
Nos últimos dias, GZH questionou os parlamentares que utilizaram o mecanismo a respeito das indicações para a RP-9 e da suposta falta de transparência nas emendas de relator. Veja o que disse cada um deles:
Deputados
Bibo Nunes (PL)
"De minha parte, a transparência é tanta que fiz uma campanha de outdoors pelo Rio Grande do Sul colocando o número de cada emenda minha. Transparência total e geral."
Carlos Gomes (REP)
"Todas as destinações que fiz são públicas e transparentes. A emenda não é secreta. Ela é destinada e chega aos municípios publicamente. Quem diz que não tem transparência é no mínimo incoerente ou tenta distorcer o trabalho da Comissão do Orçamento."
Covatti Filho (PP)
"Acho que existe transparência sim, até porque, quando a gente faz a indicação de uma emenda ao município, faz a construção com as lideranças locais e acompanha toda a parte legal da execução. Meu mandato sempre foi em busca da liberação de recursos ao Estado."
Danrlei de Deus (PSD)
"Não sei ao certo se tem transparência ou se falta. Que eu saiba, é tudo transparente. O que chega para nós da liderança do partido é a informação sobre os valores que podemos indicar para o Estado. E, assim, nós passamos para eles as indicações para os municípios."
Jerônimo Goergen (PP)
"Historicamente, os governos sempre liberaram recursos via extraorçamentário, que agora passou a ser RP-9. A diferença é que agora o poder de indicação mudou. Mas isso sempre existiu, principalmente nos finais de ano. Sempre consegui recursos, inclusive nos governos do PT, porque levei bons projetos."
Lucas Redecker (PSDB)
"O STF solicitou as indicações, e nós repassamos o número de cadastros e protocolos, justamente porque não sei dizer quais já foram empenhados. Quando indicamos, não temos a garantia do pagamento. Historicamente, a indicação não passava pelo relator e a falta de transparência era ainda maior. No momento atual, todos os parlamentares podem cadastrar emendas. Tenho a premissa de que, sempre que há oportunidade, vou buscar recursos ao Estado."
Márcio Biolchi (MDB)
"Quando esse modelo apareceu, realmente estava em uma situação mal-esclarecida. Mas atualmente, com o sistema que a Câmara adotou, diante da exigência que o Supremo fez, acabou ficando mais transparente, porque é possível acompanhar as indicações de cada um dos deputados de maneira detalhada."
Marlon Santos (PL)
"Não tem falta de transparência nenhuma. Fui relator do orçamento estadual várias vezes e sempre compartilhei a indicação de emendas com os colegas. O relator tem o dever de adequar o orçamento e o Executivo nem sempre consegue ver qual a real necessidade de uma região como o deputado consegue."
Nereu Crispim (PSD)
"Eu não peço a emenda de relator, mas, como esse dispositivo existe, lógico que também não deixo de indicar aos municípios. Mas faço um informativo dizendo para onde vai cada recurso indicado. O que não falta é a transparência."
Paulo Caleffi (PSD)
"Todas as emendas precisam ter a origem e o destino declarados. Então, toda transferência de recursos destinados aos deputados deve ter indicada a origem. Eu relacionei todas as informações e sempre chequei o que foi recebido."
Pedro Westphalen (PP)
"Está tudo explicitamente colocado para onde foram as indicações. No meu caso, coloquei 70% para a área da saúde. As críticas (sobre eventual falta de transparência) devem ser absorvidas e sempre nos ajudam a melhorar."
Fernanda Melchionna (PSOL) - não indicou emendas via RP-9
"A RP-9 é um orçamento paralelo, que não tem nenhum critério transparente e serve para organizar a base alugada do governo Bolsonaro. Foi utilizada para bancar a eleição do Arthur Lira (à presidência da Câmara) e a aprovação de projetos impopulares. É a institucionalização da corrupção."
Henrique Fontana (PT) - não indicou emendas via RP-9
“As emendas secretas são inaceitáveis. O orçamento público não pode ser secreto. Elas têm sido usadas para cooptar a base do governo que blinda Bolsonaro em relação a uma série de crimes de responsabilidade que ele já cometeu.”
Os deputados Afonso Hamm (PP) e Osmar Terra (MDB) informaram, por meio de suas assessorias, que não iriam se manifestar. Giovani Feltes (MDB), Marcelo Brum (Republicanos) e Ubiratan Sanderson (PL) foram procurados, mas não retornaram até a publicação desta reportagem.
Senadores:
Luis Carlos Heinze (PP)
"Para mim, não é problema. Minhas emendas são todas públicas. No ano passado, repassamos R$ 36,5 milhões para diversos municípios e depois acompanhamos as prefeituras para ajudar na liberação. Tudo transparente."
Lasier Martins (Podemos) - não indicou emendas via RP-9
"Continuo chamando de orçamento secreto porque é uma discriminação muito grande. Está se descaracterizando o que era o poder do Executivo de dizer quais são as obras preferenciais. Eu não indiquei nenhum recurso porque sou contra isso."
O senador Paulo Paim (PT), que também informou ao Supremo não ter indicado emendas de relator, foi procurado por meio da sua assessoria, mas não deu retorno até a conclusão desta reportagem.