Nesta quinta-feira (27), a CPI da Covid ouviu o depoimento do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. O médico falou, entre outros pontos, sobre as dificuldades que a instituição vem enfrentando na produção da CoronaVac, como a falta de insumos da China. A CoronaVac é, atualmente, a vacina contra a covid-19 mais aplicada no Brasil.
O trabalho da comissão será retomado na terça-feira (1º), às 9h, com o depoimento da médica Nise Yamaguchi. A imunologista teria sido, segundo o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, entusiasta da ideia de alterar a bula da cloroquina para incluir a recomendação de tratamento de covid-19.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimento:
Primeiro a vacinar
No depoimento, Covas afirmou que a primeira oferta de vacinas contra a covid-19 ao Ministério da Saúde foi feita em 30 julho de 2020, mas que a entidade ficou sem resposta. Eram 60 milhões de doses, que seriam entregues no último trimestre daquele ano.
Segundo ele, o Brasil poderia ter sido o primeiro no mundo a iniciar a vacinação "se todos os atores" tivessem colaborado. Covas disse que manifestações do presidente Jair Bolsonaro contra a vacina deixaram as negociações “em suspenso” e atrasaram o começo da vacinação no país.
Em dezembro, o laboratório tinha quase 10 milhões de doses da CoronaVac (5,5 milhões de doses prontas e 4 milhões em processamento). A vacinação no mundo começou em dezembro. No Brasil, apenas em 17 de janeiro.
— O mundo começou a vacinar no dia 8 de dezembro. O Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação, se não fossem esses percalços, tanto contratuais como de regulamentação — disse Covas, que entregou à CPI ofícios para corroborar seu depoimento.
Falta de insumos
Em sua fala, Covas reforçou que as declarações anti-China do governo federal aumentam a dificuldade para a liberação de insumos. Segundo ele, além de questões técnicas, os ataques ao país oriental podem atrasar a entrega de um total de 54 milhões de doses de CoronaVac ao Ministério da Saúde até setembro, devido à falta de insumos. Esse volume é referente ao segundo contrato do governo federal com o Butantan — o primeiro, já finalizado, foi de 46 milhões de doses.
— Cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. Isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram resolvidas em 15 dias e agora demoram mais de um mês. Nós, que estamos na ponta, sentimos isso. Nós sentimos e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também sentiu — disse.
Covas, entretanto, avaliou positivamente o trabalho realizado pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, que assumiu o cargo em março deste ano, após a saída do ex-chanceler Ernesto Araújo. Segundo o diretor, França "tem ajudado muito" na interlocução com a China e a farmacêutica chinesa Sinovac.
O diretor do Butantan ainda reforçou, em resposta à pergunta da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que se a contratação com o governo federal tivesse ocorrido antes, 100 milhões de doses poderiam ter sido integralizadas em maio.
— E neste momento (com o contrato atual) não sabemos se 100 milhões de dose serão integralizadas em setembro dadas as dificuldades em relação à matéria-prima — relatou.
Negociação travou
O diretor disse ainda que as conversações com o Ministério da Saúde sobre a compra da CoronaVac "não prosseguiram" em razão da manifestação pública do presidente Jair Bolsonaro de que o imunizante não seria incorporado ao Plano Nacional de Imunização (PNI).
— Aí no outro dia de manhã (após anúncio do Ministério sobre CoronaVac), infelizmente as conversações não prosseguiram porque houve manifestação do presidente Jair Bolsonaro, dizendo que vacina não seria incorporada — afirmou.
Segundo o diretor do instituto, após o episódio, em outubro de 2020, não houve progresso nas tratativas até janeiro deste ano, quando foi fechado o primeiro contrato com o governo.
Covas lembrou que, até outubro de 2020, as conversas entre governo e o instituto estavam correndo bem, inclusive com o convite de Pazuello para o diretor participar, no dia 20 daquele mês, de anúncio sobre a aquisição da vacina.
O diretor citou três ofícios enviados ao governo federal no ano passado. Um em julho, no qual se ofertou 60 milhões de doses que poderiam ser entregues no último trimestre de 2020, sem resposta efetiva do governo. Por isso, em agosto, a proposta foi reforçada, acompanhada ainda de um pedido de apoio financeiro ao estudo clínico do imunizante.
— Todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva — afirmou ele.
O relato contraria o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que disse à CPI que a declaração de Bolsonaro não influenciou nas negociações.
Tratamento desigual
O diretor disse ainda que houve tratamento desigual pelo governo federal nas relações com o instituto ligado ao governo de São Paulo e a Fiocruz, que oferta a vacina da AstraZeneca. A resposta foi dada ao senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), que o questionou se, na primeira oferta do Butantan feita ao Ministério da Saúde, havia segurança para o governo comprar a vacina.
— A AstraZeneca foi contratada em agosto, no mesmo patamar (de informações que se tinha sobre a CoronaVac). Tratamentos ocorreram de forma diferente, pedimos contratação nos mesmos moldes, houve duas formas de entender as vacinas — afirmou Covas.
Quando uma carta de intenções foi assinada com o Ministério da Saúde no dia 19 de outubro, antes de a negociação paralisar em razão da declaração do presidente Jair Bolsonaro, o Butantan já estava em condições de produção e de receber a vacina, disse o diretor do instituto paulista.
Decepção e prejuízos à imagem do instituto
Na CPI, o diretor do Instituto Butantan disse estar "decepcionado" com o tratamento que a instituição teve por parte do governo federal.
— Questionar o Butantan significa questionar a saúde pública — afirmou Covas.
Na sessão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou uma série de vídeos feitos tanto por integrantes do Ministério da Saúde quanto por Bolsonaro, no ano passado, e questionou Covas sobre a eficácia e a segurança da vacina contra covid-19 produzida pelo instituto. Para o diretor, a "campanha" feita nas mídias sociais desqualificando a vacina trouxe prejuízos à imagem da instituição.
— Obviamente que quando começou a vacinação, foi a primeira vacina a ser usada, e é a que sustentou o Programa Nacional de Imunização até muito recentemente, essa imagem mudou muito. Nós demos a resposta que era esperada do Butantan, não saímos do nosso trilho. Se houve dificuldade, foi por parte do ministério — completou Covas.
Na avaliação dele, as posições políticas, "de lado a lado" como colocou o relator da CPI, impediram a vacinação de milhões de pessoas em um prazo anterior ao iniciado no país.
— Hoje, infelizmente, nós temos a segunda posição no mundo em número de óbitos. Poderia ter sido amenizada, poderia sim. Obviamente que não é o único pilar, existem outros pilares. Mas este é um pilar que poderia ter começado um pouco antes, sem dúvida nenhuma — declarou.
* Com informações da Agência Senado