Em depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (27), o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, reforçou que as declarações anti-China do governo federal aumentam dificuldades para liberação de insumos. Segundo ele, além de questões técnicas, os ataques ao país oriental podem atrasar a entrega de um total de 54 milhões de doses de CoronaVac ao Ministério da Saúde até setembro, devido à falta de insumos. Esse volume é referente ao segundo contrato do governo federal com o Butantan — o primeiro, já finalizado, foi de 46 milhões de doses.
— Cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. Isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram resolvidas em 15 dias e agora demoram mais de um mês. Nós, que estamos na ponta, sentimos isso. Nós sentimos e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também sentiu — disse.
Covas, no entanto, avaliou positivamente o trabalho realizado pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, que assumiu em março deste ano, após a saída do ex-chanceler Ernesto Araújo. Segundo o diretor, França "tem ajudado muito" na interlocução com a China e a farmacêutica chinesa Sinovac.
O diretor do Butantan ainda reforçou, em resposta à senadora Simone Tebet (MDB-MS), que se a contratação com o governo federal tivesse ocorrido antes, 100 milhões de doses poderiam ter sido integralizadas em maio.
— E neste momento (com o contrato atual) não sabemos se 100 milhões de dose serão integralizadas em setembro dadas as dificuldades em relação à matéria-prima — relatou.
Dimas Covas também disse que, em razão da demora no recebimento de insumos, 7 milhões de doses previstas inicialmente dentro do pacote de vacinas a serem entregues em maio não poderão ser fornecidas neste mês. Segundo ele, o problema relativo à matéria-prima parou a produção da CoronaVac por cerca de um mês.
— Tínhamos o compromisso de entregar 12 milhões de doses em maio e já entregamos 5 milhões. A produção foi retomada e vamos entregar 6 milhões de doses a partir de 12 de junho, então houve 7 milhões de doses que poderiam ter sido entregues ainda em maio, de acordo com o cronograma inicial — afirmou.
Tratamento desigual
O diretor do Butantan disse ainda que houve tratamento desigual pelo governo federal nas relações com o instituto ligado ao governo de São Paulo e a Fiocruz, que oferta a vacina da AstraZeneca. A resposta foi dada ao senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), que o questionou se, na primeira oferta do Butantan feita ao Ministério da Saúde, havia segurança para o governo comprar a vacina.
— A AstraZeneca foi contratada em agosto, no mesmo patamar (de informações que se tinha sobre a CoronaVac). Tratamentos ocorreram de forma diferente, pedimos contratação nos mesmos moldes, houve duas formas de entender as vacinas — afirmou Covas.
Quando uma carta de intenções foi assinada com o Ministério da Saúde no dia 19 de outubro, antes de a negociação paralisar em razão da declaração do presidente Jair Bolsonaro, o Butantan já estava em condições de produção e de receber a vacina, disse o diretor do instituto paulista.
Covas reforçou que a interferência do presidente Jair Bolsonaro na aquisição da CoronaVac pelo governo provocou prejuízo nas negociações. À CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello afirmou que a posição de Bolsonaro não atrapalhou a compra. Segundo o diretor do instituto, após o episódio, em outubro de 2020, não houve progresso nas tratativas até janeiro deste ano, quando foi fechado o primeiro contrato com o governo.
Na sessão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou vídeos envolvendo o caso, tanto das manifestações de Bolsonaro como do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco. Após a fala do presidente, ele declarou que não havia intenção de comprar vacina chinesa, uma referência à CoronaVac.
— Só foi contratada seis meses depois da primeira oferta — ressaltou Covas à CPI. — Então, de fato, a questão da vacina não foi bem resolvida pelo país no ano passado. Houve atraso em relação à iniciativa de outros países, mercado global onde a quantidade é pequena e a demanda é enorme.
Covas ainda destacou os efeitos de o governo não ter aceitado a primeira oferta, feita em julho do ano passado.
— A não aceitação da primeira oferta significa 60 milhões até dezembro de 2020. A partir daí, essas idas e vindas foram dificultando o cronograma, não os quantitativos, porque o Butantan mantinha seu acordo para os 46 milhões, mas tinha condições de chegar aos 100 milhões de doses que poderiam chegar em maio. Como não houve essas definições, o cronograma passou para setembro, porque a demanda por vacinas nesse momento era muito grande — disse Covas.
O diretor do Butantan comentou que, quando enfim o governo assinou o contrato, teria sido em consequência de outras iniciativas não terem dado certo, como a tentativa de buscar vacina na Índia e dificuldades com o imunizante da AstraZeneca.
— Única disponível era a do Butantan — disse ele.
Covas respondeu também que a interlocução com o Ministério da Saúde sempre foi técnica, e que nunca tratou com o presidente diretamente sobre a compra da vacina.
— O fato é que houve mudança, estávamos trabalhando (com a área técnica do ministério) conjuntamente até inclusive para caminhar com MP para dar sustentação orçamentária a nossos pleitos, e a partir do dia 20 de outubro isso foi absolutamente interrompido, não houve progresso nessas tratativas — afirmou ele. — Nunca recebi ofício de fato que a intenção de compra feita no dia 19 de outubro não era mais válida, mas depois daquilo não houve mais progresso.
Decepção
Na CPI, o diretor do Instituto Butantan disse estar "decepcionado" com o tratamento que a instituição teve por parte do governo federal.
— Questionar o Butantan significa questionar a saúde pública — afirmou Covas.
Calheiros apresentou uma série de vídeos feitos tanto por integrantes do Ministério da Saúde quanto por Bolsonaro, no ano passado, e questionou Covas sobre a eficácia e a segurança da vacina contra covid-19 produzida pelo instituto. Para o diretor, a "campanha" feita nas mídias sociais desqualificando a vacina trouxe prejuízos à imagem da instituição.
— Obviamente que quando começou a vacinação, foi a primeira vacina a ser usada, e é a que sustentou o Programa Nacional de Imunização até muito recentemente, essa imagem mudou muito. Nós demos a resposta que era esperada do Butantan, não saímos do nosso trilho. Se houve dificuldade, foi por parte do ministério — completou Covas.
Na avaliação dele, as posições políticas, "de lado a lado" como colocou o relator da CPI, impediram a vacinação de milhões de pessoas em um prazo anterior ao iniciado no país.
— Hoje, infelizmente, nós temos a segunda posição no mundo em número de óbitos. Poderia ter sido amenizada, poderia sim. Obviamente que não é o único pilar, existem outros pilares. Mas este é um pilar que poderia ter começado um pouco antes, sem dúvida nenhuma — declarou.
ButanVac
Dimas Covas também afirmou na CPI que o Butantan iniciou conversas preliminares com o governo federal sobre a ButanVac, vacina contra covid-19 que está sendo desenvolvida pelo instituto em parceria com um consórcio internacional. Uma reunião foi realizada na quarta-feira (26), entre uma diretora do instituto e o Ministério da Saúde.
— A diretora teve ontem (quarta-feira) uma reunião preliminar com o secretário-executivo (do Ministério da Saúde), e já se iniciou uma conversa inicial sobre a possibilidade, mas simplesmente inicial, não houve documentação trocada — disse ele.
Reforço anual
Em depoimento à comissão, Dimas Covas admitiu a possibilidade de que a vacina contra covid-19 precise ser aplicada em doses anuais. Segundo ele, "tudo indica" que haverá necessidade do reforço periódico da vacinação.
— Na minha percepção, como cientista, como médico, tudo indica que haverá necessidade de doses anuais, de reforço, como é a da vacina da gripe, dado que essa infecção tem a possibilidade de se tornar endêmica, tudo indica que isso vai acontecer. Algumas companhias já estão trabalhando na possibilidade dessa terceira dose, inclusive o Butantan, que desenvolve estudos para ter o reforço vacinal pelo menos uma vez ao ano — disse Covas nesta quinta-feira.