Uma semana após a queda do então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, o país voltou a ficar em estado de alerta nesta quinta-feira (23) com a ameaça de demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro. Mais popular integrante do governo, Moro condicionou a permanência no cargo à manutenção do atual diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo.
A mais nova turbulência registrada na Esplanada teve origem no gabinete do presidente Jair Bolsonaro. Em seu primeiro compromisso do dia, às 9h, Bolsonaro comunicou ao subordinado que nos próximos dias pretende trocar o comando da PF. Indignado, o ministro comunicou então ao presidente que caso o delegado seja demitido ele também pretende deixar o governo.
A notícia logo vazou, dando contornos de crise política à queda de braço. Moro fez questão de esclarecer que não havia formalizado o pedido de demissão, mas não negou a intenção de sair. No Planalto, auxiliares do presidente, sobretudo os generais, correram para tentar fazê-lo mudar de ideia. Bolsonaro, contudo, estava decidido a exonerar Valeixo.
Na véspera, o presidente recebeu no Planalto o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha. Além de discutirem o afrouxamento do distanciamento social na capital, eles teriam conversado sobre a disponibilidade do secretário da Segurança do DF, Anderson Torres. Delegado federal, Torres tem excelente trânsito junto à família do presidente e já foi cotado para substituir Valeixo em setembro do ano passado.
Torres é muito amigo do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, ex-chefe de gabinete de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Ele próprio também comandou o gabinete de um parlamentar ligado aos Bolsonaro, o hoje deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR).
A irritação do presidente com a direção da PF foi alimentada nos últimos dias pelos filhos e os integrantes do chamado gabinete do ódio. O grupo teme ser atingido pelo inquérito instaurado para investigar os atos registrados no domingo (19), por pedidos de intervenção militar, AI-5 e fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro foi alertado de que ele próprio poderia se tornar alvo da apuração. Formalmente, o presidente não foi citado na petição inicial enviada ao STF pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Todavia, nada impede que ele seja incluído no processo com o avanço das investigações, sobretudo por ter participado da manifestação em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
A decisão de demitir Valeixo se tornou questão de honra para Bolsonaro tão logo ele foi informado que o diretor-geral destinou as diligências ao mesmo grupo de agentes e delegados que já trabalha no inquérito aberto pelo STF para apurar fake news. Nos bastidores, comenta-se em Brasília que o inquérito está em estágio avançado, inclusive identificando os financiadores da matilha digital que apoia o governo nas redes sociais, disseminando mentiras e constrangendo adversários.
Nas últimas semanas, o próprio Moro já havia sido levado à alça de mira do grupo. Os filhos do presidente cobraram publicamente do ministro palavras de apoio ao governo e houve ataques à políticas da pasta, como a ideia de se comprar laptops para permitir, durante a pandemia, visitas virtuais de familiares a presidiários.
Outra razão para o incômodo de Bolsonaro com Valeixo foi a independência da superintendência do Rio de Janeiro. No Estado, correm três investigações delicadas para a família: o assassinato da vereadora Marielle Franco, o suposto esquema de rachadinha no gabinete do senador Flávio Bolsonaro e as ações do grupo miliciano Escritório do Crime.
O delegado foi uma das primeiras escolhas de Moro tão logo ele aceitou o convite para conduzir o Ministério da Justiça. À época, Valeixo era superintendente da PF no Paraná, onde chefiava a equipe que atuava com Moro nas investigações da Lava-Jato.
A investida de Bolsonaro coincide com um movimento de aproximação política com velhos conhecidos da PF. Na última semana, o presidente tem negociado cargos com os ex-deputados Roberto Jefferson (PTB) e Valdemar Costa Neto, ambos condenados no escândalo do mensalão e lideranças do centrão, grupo partidário dominante no Congresso e conhecido pelas práticas fisiológicas.
Nos corredores do Congresso, parlamentares comentavam que, se consumada a demissão de Moro, Bolsonaro pode ter montado em sete dias uma chapa considerada fortíssima para as eleições presidenciais de 2022. Afinal, Mandetta e Moro detêm enorme prestígio popular e seus índices de aprovação em pesquisas de opinião são bem superiores ao do próprio presidente da República.