A disposição do presidente Jair Bolsonaro de substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, à revelia do ministro da Justiça, Sergio Moro, tem dois desfechos possíveis e nenhum é bom para o governo. Ou Bolsonaro recua e dá mais um sinal de fragilidade como líder ou mantém a intervenção e Moro deixa o governo. As informações preliminares são de que Moro não aceitou a troca de comando na PF e pediu demissão, mas Bolsonaro tenta convencê-lo a continuar.
Se tiver juízo, Bolsonaro desiste da ideia de intervir na Polícia Federal para não perder o segundo ministro do time dos populares em uma semana. O outro foi Luiz Henrique Mandetta, na sexta-feira passada. A justificativa para a troca de comando na PF, que Bolsonaro já havia tentado em agosto de 2019, é inconfessável. De acordo com o site O Antagonista, o presidente quer tirar Valeixo porque a PF conseguiu desvendar como funcionava a sua milícia digital, inclusive os patrocinadores. Seria uma tentativa de “estancar a sangria”. O risco é de provocar efeito contrário: uma hemorragia no coração do governo.
Quando aceitou o convite para ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, o então juiz Sergio Moro fez uma opção arriscada. Trocou a bem-sucedida carreira de magistrado símbolo da Operação Lava-Jato por um cargo político, com a perspectiva de ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal na primeira vaga que abrisse. Para Bolsonaro, a atração do juiz mais popular do Brasil foi a conquista de um segundo selo de credibilidade. O primeiro tinha sido a atração do economista Paulo Guedes, queridinho do mercado.
A promessa era de carta branca para montar a equipe e para atuar no combate à corrupção, mas desde logo Moro percebeu que a autonomia era limitada. O presidente começou interferindo em superintendências regionais da PF, a começar pelo Rio de Janeiro, de onde removeu o delegado Ricardo Saadi, de reconhecida competência, fazendo circular a versão de que tinha problema de produtividade. À época, a suspeita era de que o presidente tentava colocar um homem de sua confiança na PF do Rio, preocupado com as investigações de envolvimento do filho mais velho, Flavio Bolsonaro, no esquema da rachadinha na Assembleia do Rio e, também, com a milícia.
No governo, a atuação de Moro é pálida. Bolsonaro deu demonstrações inequívocas de esvaziamento do ministro nestes 15 meses de governo. Chegou a lançar o balão de ensaio da retirada da Segurança Pública do Ministério da Justiça. A segurança iria para a bancada da bala. Veio a crise do coronavírus e o assunto ficou congelado.
Nos vários momentos em que o presidente desafiou a orientação das autoridades sanitárias e patrocinou aglomerações, Moro manteve-se ao lado do ministro Mandetta, defendendo o isolamento. Não só ele: também Paulo Guedes seguiu na mesma toada. No dia 30 de março, durante videoconferência promovida pela Confederação Nacional dos Municípios, Guedes afirmou:
— Como economista, gostaria que pudéssemos retomar a produção. Como cidadão, ao contrário, aí já quero ficar em casa.
A ameaça de demissão de Moro ocorre no momento em que são visíveis os sinais de que Guedes também balança no cargo. A ausência na apresentação do esboço do plano Pró-Brasil, que exigirá gastos públicos incompatíveis com o ajuste fiscal desenhado por sua equipe, passou a mensagem de que Guedes não quer avalizar a gastança, mesmo que as circunstâncias sejam excepcionais.
Toda a economia prevista para os próximos anos com a reforma da Previdência vai virar pó no enfrentamento ao coronavírus. Com a economia global paralisada, as privatizações saem do radar em 2020, como reconheceu na quarta-feira o secretário Salim Mattar. A agenda de recuperação socioeconômica é comandada pelos militares, sob a batuta do chefe da Casa Civil, ministro Braga Netto.
Interlocutores que conversam regularmente com Guedes observam que o ministro já vinha estressado desde antes da crise do coronavírus. Mais de uma vez, o ministro já demonstrou impaciência com os tempos da política e ameaçou pegar o boné e ir para os Estados Unidos.
O pior que pode acontecer ao país agora, depois da saída do ministro da Saúde em plena pandemia, por divergências de ponto de vista com o presidente da República, seria a queda de dois esteios do seu governo.
Aliás
Deve ser difícil para alguém com o passado de Sergio Moro conviver com a perspectiva de dividir a mesa de reuniões ou aparecer na mesma foto com um condenado por corrupção como o ex-deputado Roberto Jefferson, novo xodó do bolsonarismo.