A conclusão da Polícia Federal de que não há evidências de que o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) lavou dinheiro com transações imobiliárias não afeta a apuração sobre "rachadinha" conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Ainda inconclusa, a apuração da promotoria já apontou o que considera evidências do crime na aquisição de dois imóveis em 2012. Os promotores afirmam que o filho do presidente Jair Bolsonaro pagou "por fora" pelo apartamento mais de R$ 600 mil em dinheiro vivo proveniente do esquema de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
A Folha de S.Paulo revelou nesta segunda-feira (3) que a PF concluiu não haver indícios de que Flávio tenha cometido os crimes de lavagem de dinheiro e de falsidade ideológica no inquérito eleitoral que mira tanto as negociações de imóveis feitas pelo filho mais velho do presidente como a sua declaração de bens na eleição de 2018.
O relatório, a ser entregue nos próximos dias à Justiça Eleitoral, foi celebrado pelo senador.
— Quando a investigação é isenta, só tem esse resultado possível — disse ele, ao deixar, ao lado de seu pai, evento em São Paulo para o lançamento da pedra fundamental de um colégio militar que será construído no Campo de Marte e tem inauguração prevista para o final de 2022.
O advogado Frederick Wassef, que defende o senador, afirmou que "o desfecho dessa investigação da Polícia Federal reforça a inocência de Flávio Bolsonaro".
— Os investigadores entenderam que não havia indício de crime ou qualquer irregularidade e que, por tanto, a denúncia não tinha fundamento. Tudo isso deixa ainda mais evidente que o parlamentar enfrenta uma campanha de perseguição movida por forças com interesses escusos. A defesa acredita na Justiça brasileira e tem certeza que a verdade prevalecerá — afirmou ele.
Embora não haja vinculação entre os procedimentos, Wassef disse que juntará o relatório da PF na investigação do MP-RJ a fim de que as transações imobiliárias fiquem de fora da investigação.
— O fato é um só, não importa se na esfera eleitoral, criminal ou cível.
O procedimento que está com a PF teve como origem uma notícia-crime feita pelo advogado Eliezer Gomes da Silva com base em reportagem da Folha de S.Paulo de janeiro de 2018 que apontava a evolução patrimonial de Jair Bolsonaro, então deputado federal, e seus filhos políticos.
Na denúncia-crime, ele destaca o fato de Flávio ter declarado ser proprietário de um imóvel em Laranjeiras tanto em 2014 e 2016, mas ter atribuído valores distintos ao mesmo bem em cada ano. Enquanto em 2014 ele atribuiu ao imóvel o valor de R$ 565 mil, em 2016 ele declarou à Justiça Eleitoral ser dono de metade da cobertura, parcela que valeria R$ 423 mil — ou R$ 846 mil no total.
Não é claro o motivo de ele ter declarado apenas em 2016 ser dono de metade do imóvel, embora já fosse casado em 2014 quando dividia o bem com a mulher. Escritura pública mostra que o crescimento do valor se deveu ao pagamento de parcelas de financiamento do imóvel, uma cobertura cujo valor de aquisição total foi de R$ 1,7 milhão.
O pedido de abertura de inquérito sobre as suspeitas em torno de Flávio chegou à PF depois que o então procurador regional eleitoral do Rio, Sidney Madruga, tentou arquivar o caso.
Como a Folha de S.Paulo revelou em fevereiro do ano passado, o procurador quis encerrar a apuração sem ter feito nenhuma diligência. O arquivamento pedido por Madruga foi vetado por uma câmara criminal do Ministério Público Federal, que determinou uma avaliação mais rigorosa do caso.
Na ocasião, a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio afirmou que Madruga entendeu que não havia crime eleitoral "com base na jurisprudência consolidada há anos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)". O procedimento foi enviado, então, à Polícia Federal.
A investigação originalmente tinha como foco a suposta falsidade ideológica na declaração de bens à Justiça Eleitoral. No curso do inquérito, também foi incluída a apuração de lavagem de dinheiro.
Não se sabe quais diligências foram realizadas pela Polícia Federal, bem como se os agentes analisaram todas as transações imobiliárias realizadas por Flávio ou apenas do imóvel de Laranjeiras.
A promotoria fluminense analisou todas as operações imobiliárias do senador. Após quebrar os sigilos bancário e fiscal de Flávio e dos vendedores de seus imóveis, apontou suspeitas na aquisição de dois deles em Copacabana em 2012. O MP-RJ afirma que o senador e sua esposa, Fernanda, pagaram em dinheiro vivo de forma ilegal R$ 638,4 mil na compra dos apartamentos.
A suspeita dos promotores decorre do fato de Glenn Dillard, responsável por vender os imóveis ao casal, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo.
No dia 27 de novembro de 2012, Flávio e a esposa compraram dois imóveis em Copacabana. A escritura aponta o valor da operação como sendo de R$ 310 mil.
O pagamento ocorreu em duas etapas. Primeiro, foi feito um sinal de R$ 100 mil pago em cheques no dia 6 de novembro. Dois cheques (que somam R$ 210 mil) foram entregues na data da assinatura da escritura.
O MP-RJ afirma que, no mesmo dia da concretização do negócio, Dillard esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.
O americano, segundo a investigação, depositou ao mesmo tempo os cheques e R$ 638.400 em dinheiro vivo. A promotoria afirma que Dillard não realizou outra transação imobiliária no segundo semestre de 2012, que poderia ser uma origem para o depósito diversa do dinheiro da transação de Flávio.
Ao mesmo tempo, os promotores escrevem na petição que Flávio e Fernanda também não haviam vendido nenhum imóvel naquele ano e não tinham disponibilidade financeira para a operação. Isso indica, para os investigadores, que a única origem possível para os recursos em espécie é o recolhimento de dinheiro feito junto a ex-assessores.
Como revelou a Folha de S.Paulo, Flávio Bolsonaro vendeu os imóveis pouco mais de um ano depois, tendo declarado um lucro de R$ 813 mil. Pelas contas do Ministério Público, o rendimento real foi de R$ 176,6 mil.
O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária.
Para o MP-RJ, os R$ 638,4 mil passaram a ter aparência legal após a revenda feita por Flávio ser declarada à Receita Federal.
O próprio Ministério Público também havia recebido denúncia-crime do advogado sobre as transações imobiliárias. A única diligência na ocasião foi questionar o senador sobre as operações. Após receber as explicações de Flávio, a promotoria arquivou o procedimento.
Ele foi desarquivado no início desse ano a pedido do Grupo de Atuação Especializada de Combate à Corrupção (Gaecc) para compor a apuração sobre "rachadinha", que consiste em coagir servidores a devolver parte do salário para os parlamentares
Essa apuração começou em janeiro de 2018. O antigo Coaf, órgão de inteligência financeira, enviou espontaneamente na época um relatório indicando movimentação financeira atípica de Queiroz de R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia do Rio.
Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.