O Senado recuou do acordo que havia feito com a Câmara na semana passada e que visava tocar uma proposta conjunta sobre prisões após condenação em segunda instância. Nesta quarta-feira (4), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa decidiu pautar para a próxima terça-feira (10) a votação de um projeto de lei que, de maneira mais rápida, retoma essa possibilidade de cumprimento de pena — que foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês passado, permitindo a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A reviravolta foi encabeçada por senadores que apoiam a Operação Lava-Jato. Eles apresentaram à presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), um manifesto requerendo a votação, independentemente do acerto que havia sido costurado entre os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com apoio da maioria dos líderes partidários.
Os comandos das duas Casas haviam concordado em deixar de lado o projeto do Senado para abraçar a proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara. Uma PEC precisa da aprovação de 49 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados e tem uma tramitação mais demorada. Já a alteração do Código de Processo Penal (CCP), que está no Senado, se dá por projeto de lei e tem tramitação mais célere e aprovação mais simples, por maioria simples.
Para que o martelo do acordo fosse batido, a Câmara deveria ter apresentado até terça-feira (3) um cronograma de tramitação para enfrentar um discurso de que o Legislativo estava interessado em protelar a votação da matéria.
A Câmara instalou nesta quarta a comissão especial para analisar a PEC, mas o calendário não foi apresentado e um grupo de 44 senadores apresentou a Tebet um manifesto solicitando a apreciação do projeto.
"Expressamos nossa contrariedade em relação a qualquer movimento no sentido de adiar a análise do referido projeto, bem como reafirmar nosso propósito de apreciar e aprovar a matéria o mais breve possível", diz o curto texto.
Tebet acatou a solicitação e ordenou que o projeto conste como primeiro item da pauta da próxima terça-feira.
Por ter sido apresentado por senador, o projeto é terminativo na CCJ. Ou seja, bastaria que fosse aprovado pela comissão para, então, seguir para a Câmara. Acontece que, na prática, isso não ocorre com projetos que são considerados polêmicos. Um recurso para apreciação em plenário deve ser apresentado e a votação por todos os senadores depende da vontade de Alcolumbre, que comanda a pauta da Casa e já sinalizou ser contrário ao projeto.
— Não nos cabe, neste momento, a omissão e muito menos esquecermos que este é um sistema bicameral. Temos projetos tramitando concomitantemente, na Câmara e no Senado, sobre diversos assuntos. Para isso existem duas CCJs, a da Câmara e a do Senado. Nem o presidente daquela Casa poderá dizer para nós que o nosso projeto pode ser eivado de vício, portanto, judicializado, muito menos nós poderemos fazer o mesmo em relação à Câmara dos Deputados — disse Tebet.
O anúncio foi feito em meio a uma audiência pública sobre o assunto da qual participa o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Ele disse que o atual momento é relevante para o Congresso "mandar uma mensagem à população" e acelerar a votação de projetos que autorizam a volta da prisão logo após a condenação em segunda instância, o que foi derrubado pelo STF.
A discussão no Congresso ganhou força após a soltura do ex-presidente Lula no início de novembro, beneficiado pela reviravolta no Supremo. O petista tem duas condenações em segunda instância e, assim como os demais nessa situação, só poderá ser preso novamente ao final de todos os recursos — no chamado trânsito em julgado dos casos.
O texto que está no Senado é um projeto de lei que altera dois artigos (283 e 637) e cria um novo (617-A) no Código de Processo Penal, sem necessidade de mudança constitucional. Já a Câmara trabalha com uma PEC. Inicialmente, ela mudava o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória — no entendimento atual, até que acabem todas as possibilidades de recurso e que a sentença se torne definitiva.
Por esta versão, ninguém seria considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso — ou seja, a prisão já valeria após condenação em segunda instância.
Há divergências, no entanto, sobre se esse inciso do artigo 5º seria uma cláusula pétrea da Constituição, o que impediria qualquer modificação, mesmo por emenda. Diante de uma eventual guerra jurídica envolvendo esse ponto, a solução encontrada pelo relator da proposta na Câmara foi sugerir uma nova PEC com alterações nos artigos 102 e 105 da Constituição, itens que dispõem, respectivamente, sobre o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Líderes partidários entendem que este texto atinge outras esferas da Justiça — cível e tributária — não se restringindo à área criminal. Assim, acreditam que a medida acabará obrigando a antecipação do pagamento de precatórios, já que a proposta prevê execução antecipada de pena para todas as ações que chegarem ao STJ.