Crítico à cobertura da imprensa, o presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu a comunicação institucional da Presidência da República em seu primeiro ano à frente do Palácio do Planalto. Ele assumiu o papel de porta-voz de seu governo, colocando em segundo plano os canais oficiais, que perderam espaço e relevância.
O perfil pessoal do presidente nas redes sociais, por exemplo, que é supervisionado por seu filho e vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), tornou-se o principal difusor do Palácio do Planalto no universo digital, com informações, manifestações e anúncios. As contas institucionais atuam a reboque, replicando ou repercutindo iniciativas do governo.
O presidente também adotou a estratégia de comunicação sem intermediários, que não envolve a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), promovendo duas entrevistas quase todos os dias na porta do Palácio da Alvorada e uma live semanal pelas redes sociais.
Nos governos de Dilma Rousseff (PT) e de Michel Temer (MDB), a postura era diferente. As entrevistas do presidente à imprensa passavam pela assessoria de comunicação, que convocava os jornalistas e orientava as respostas do mandatário.
Na esteira da mudança, Bolsonaro não renovou, no início do mandato, contrato para assessoria à imprensa estrangeira. Ele ainda trocou quatro vezes o secretário de imprensa do Planalto, cargo que desde agosto está vago e não tem previsão de ser preenchido. O secretário de imprensa era o responsável por fazer o meio de campo entre os veículos de comunicação e o governo federal. Sem ele, o canal institucional ficou enfraquecido, já que o chefe da Secom, Fábio Wajngarten, cada vez se dedica menos a essa função.
Desde a demissão do último secretário de imprensa, nomeado por Wajngarten, o chefe da Secom perdeu influência junto ao presidente, que tem dado preferência aos conselhos do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Desde julho, quando Bolsonaro adotou a prática de fazer declarações rotineiras, os briefings diários do Planalto também foram esvaziados. A alteração na comunicação coincidiu com o fim dos cafés da manhã realizados com jornalistas, estratégia criada no início da gestão pelo porta-voz, general Otávio Rêgo Barros, na tentativa de aproximar o presidente da imprensa.
Os encontros deixaram de ocorrer depois de repercussão negativa de uma declaração do presidente. Em julho, ele chamou de "paraíba" governadores nordestinos, o que levou a uma reação de políticos de esquerda. Posteriormente, apesar de ter sido gravado, negou que tenha se dirigido a nordestinos de forma pejorativa.
O caso foi usado por auxiliares ligados à ala ideológica para suspender os encontros periódicos com a imprensa. De lá para cá, Bolsonaro passou a escolher quando fala e os temas que comenta. São frequentes as vezes em que o porta-voz ou a Secretaria de Comunicação informam à imprensa que determinado assunto não será tratado pelo governo e, na sequência, Bolsonaro dá uma declaração sobre o tema na porta do Palácio do Alvorada.
Exemplo mais recente é a crise do PSL, que levou à desfiliação de Bolsonaro do partido pelo qual se elegeu, e ao lançamento da Aliança pelo Brasil, em fase de formação.
No início de outubro, questionado sobre os desentendimentos entre o chefe do Executivo e o presidente do partido, o deputado Luciano Bivar (PE), Rêgo Barros disse que questões partidárias não seriam tratadas publicamente. No dia seguinte, Bolsonaro falou na saída do Alvorada que Bivar estava "queimado para caramba".
Os briefings de Rêgo Barros ocorrem normalmente às segundas, terças e quartas, sempre no fim da tarde.
Na primeira quinzena de novembro, foram cancelados por mais de um dia seguido. Durante viagem presidencial em outubro ao continente asiático, o porta-voz não concedeu um briefing oficial durante mais de 10 dias. Após questionamentos da imprensa, eles foram retomados. Em nota enviada à reportagem, a equipe do porta-voz disse que os briefings não foram realizados por causa da viagem do presidente à Ásia e ao Oriente Médio e da promoção de cerimônias oficiais em horários que coincidem com as suas entrevistas.
— Ocorreram algumas cerimônias de divulgação de programas do governo, por intermédio dos ministérios e com a participação do presidente, que, normalmente, se estendem no horário das 18h30min com a realização de coletiva de imprensa pelos titulares ou secretários das pastas — disse.
Procurado, o Palácio do Planalto nega que haja um esvaziamento dos canais institucionais. Segundo a assessoria do Planalto, a comunicação direta do presidente com a população brasileira e com a imprensa permanece, desde o início do governo, "ativa e dinâmica".
— Enquanto chefe de Estado, o senhor presidente se posiciona, por meio de seus perfis em redes sociais, conforme lhe é conveniente e totalmente legítimo. Ações pessoais de relacionamento com a imprensa conduzidas pelo senhor presidente da República reforçam a mensagem do governo ao cidadão e fortalecem a comunicação de governo — afirma a Secom.
Para o ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República Mauro Menezes, a personificação da comunicação institucional traz prejuízos para a democracia.
— Eu creio que todo esse processo de esvaziamento dos canais oficiais, do papel do porta-voz, de comunicação direta, a seletividade na escolha dos veículos de comunicação, todos esses elementos, eles se agregam a um processo que eu tenho sinalizado de uma situação de crise séria do republicanismo. Da maneira como o atual governo tem lidado com os temas republicanos — disse.
Menezes alerta que o uso das redes sociais do presidente pode ser ruim se não houver diferenciação dos interesses públicos e privados.