Uma das principais armas de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, o Twitter vem mantendo protagonismo na estratégia de comunicação do agora presidente da República. Levantamento de GaúchaZH aponta que, nos primeiros cem dias de governo, a maior parte das manifestações públicas de Bolsonaro na rede social é dedicada a alardear propostas, interagir com seguidores e atacar adversários.
Foram analisados 804 tuítes e retuítes do perfil oficial de Bolsonaro entre 1º de janeiro e 8 de abril — 98º dia de sua gestão — compilados na base de dados do site Aos Fatos e do International Center For Journalists (ICFJ). Na liderança dos temas abordados pelo mandatário está a divulgação de propostas, ações e agenda de governo (46,5%), seguida das interações com usuários e compartilhamento de conteúdo (21,1%). Os ataques a grupos ou indivíduos aparecem em 17% das postagens — o equivalente a dizer que um de cada seis tuítes do presidente é uma alfinetada em desafetos. Entre os alvos prediletos está a imprensa, presente explícita ou implicitamente em 70 das 137 postagens ofensivas.
— Temos a impressão de que há mais material para defender posições ou criticar do que para passar informações sobre o governo — avalia o cientista político e coordenador do curso de Administração Pública da FGV de São Paulo, Marco Antônio Teixeira.
— Bolsonaro é muito hábil em redes sociais. Ele sabe arregimentar pessoas que partilham da mesma visão, deixá-las mais próximas ainda, propor a agenda dele. Por meio desse canal, ele fala o que quiser. Se quiser evitar uma discussão para entrar em outra, pode fazer isso — diz o professor de Jornalismo Digital da PUCRS Marcelo Crispim da Fontoura.
Marco Antônio Teixeira lembra, ainda, que boa parte das crises do governo foi deflagrada pela rede social.
— Por mais que o presidente aborde ações de governo, isso acaba ofuscado pelas confusões. Se for uma estratégia, não parece inteligente. Vide a reforma da Previdência, que quase foi inviabilizada por crises recentes — pontua o cientista político, acrescentando que a figura pública e as opiniões pessoais do presidente são indissociáveis nas redes sociais: — Não adianta separar o Jair (Bolsonaro) do presidente. Pelo perfil no Twitter é sempre a mesma pessoa, e o que é dito vira uma posição de governo. O maior paralelo talvez seja o Donald Trump, que também gosta de fazer anúncios via Twitter.
O professor da UFRGS e pesquisador de mídias sociais Alex Primo entende que o presidente brasileiro tem um diferencial em sua atuação online: "a linguagem que utiliza", que, na avaliação de Primo, "é autêntica".
— É comum pessoas com visibilidade terem assessores que tentam mimetizar a forma como o dono do perfil se expressa. Mas, apesar de ele possivelmente ter apoio de outras pessoas, percebe-se que o próprio presidente usa muito o Twitter — analisa o pesquisador.
Na opinião do professor gaúcho, assim como Trump, Bolsonaro ainda não assumiu uma posição condizente com o cargo que ocupa.
— Ele ainda demonstra um tom de um candidato, buscando polêmica. Um presidente deveria ter papel conciliador. Por exemplo: enquanto o Paulo Guedes (ministro da Economia) defendia a reforma da Previdência, o presidente polemizava sobre 1964. Até mesmo apoiadores criticam essa postura — diz Primo.
A professora da Universidade Federal de Pelotas Raquel Recuero, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (MIDIARS), reforça a percepção do colega.
— A partir do momento em que a campanha termina, a atuação nas redes sociais tende a ser menos emocional. Afinal, o presidente não fala apenas por ele. É um lugar de fala institucional, como o do perfil do CEO de uma empresa. É a posição oficial de uma instituição.
Posts propositivos ganham mais espaço
Mesmo que as polêmicas ainda sejam frequentes, o viés mais belicoso das postagens, com textos mais incisivos e agressivos, tinha mais frequência no início do mandato. Com o passar dos dias, a divulgação de ações e propostas ganhou espaço.
— Isso talvez tenha ocorrido porque o governo é marcado por uma coalização de alas muito díspares, que nem sempre conversam entre si. E ele (presidente) pode estar sendo puxado para lados diferente, para os quais nem todos aprovam a radicalização — opina o professor de Jornalismo Digital da PUCRS Marcelo Crispim da Fontoura.
Para o pesquisador Alex Primo, o formato objetivo das postagens do Twitter, com número reduzido de caracteres, ajuda na repercussão do que é escrito por Bolsonaro.
— Ele larga frases bombásticas e deixa as pessoas se debaterem. Além disso, por mais que faça ataque à imprensa, sabe que ela está olhando o que ele faz ali (no Twitter) e que vai publicar. Se fosse usar Facebook ou Instagram, que demanda mais atenção, talvez prejudicasse a intenção dessas bombas.
Primo também ressalta o jogral que o presidente faz com os filhos online, principalmente com o vereador Carlos Bolsonaro — a quem Bolsonaro chama de pitbull e que auxilia o pai nas redes sociais — e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. De um total de 170 retuítes feitos pelo presidente nesses 98 primeiro dias de governo, 20 foram de postagens de Carlos, e 18, de Eduardo.
— Não se sabe o que é planejamento e o que é encenação, mas os filhos (de Bolsonaro) seguem as mesmas táticas. Quando o presidente não fala, os filhos falam.
Para o cientista político Bruno Lima Rocha, professor dos cursos de Relações Internacionais e Jornalismo na Unisinos, um presidente deve atentar para não colocar o país que governa em situação desconfortável.
— Se o ato de escrever no microblog for feito direto pelo presidente, pode não obedecer à Presidência. Aí, temos um problema, pois pode não ser a posição de um estadista, mas de quem está em constante campanha. E se o chefe do Executivo avalia que deve manter acessa a chama dos seus seguidores na internet, isso pode gerar clima de acirramento na guerra cultural.
Nuvem de palavras
No quadro abaixo, veja os cem termos mais utilizados pelo perfil oficial de Jair Bolsonaro no Twitter nos 98 primeiros dias de governo. Navegue pelas setas ou deslizando a tela para os lados para ver o conjunto de palavras total e de cada uma das seis categorias de posts analisadas.
Linha do Tempo
No gráfico abaixo, veja a evolução dos tuítes de Jair Bolsonaro ao longo do período analisado. Cada barra colorida representa uma das 804 postagens, e a cor identifica o tema da publicação. Clique sobre os nomes dos temas para exibir ou desabilitar cada um deles na linha do tempo e veja como cada assunto está distribuído pelos primeiros 98 dias de governo.