Gestado ao longo de 10 meses, em meio a parcelamentos salariais sem trégua, expectativas frustradas e agravamento da crise, o mais vasto pacote de reforma do Estado dos últimos anos chega a etapa decisiva. Entre terça (12) e quarta-feira (13), as medidas que ambicionam revisar mais de cem regras do funcionalismo serão entregues à Assembleia Legislativa pelo governador Eduardo Leite, com previsão de votação a partir de 17 de dezembro.
Alvo de rejeição entre sindicatos e servidores (leia mais abaixo), o pacote deve ser composto de cinco projetos de lei e de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Os textos alteram carreiras e extinguem benefícios em todos os poderes, com mudanças nos estatutos civis e militares, no plano de carreira dos professores e nas normas que regem as aposentadorias dos funcionários públicos estaduais (veja os detalhes no fim do texto).
Com as modificações, o Palácio Piratini pretende frear o crescimento automático da folha de pagamento e conter o avanço dos gastos com pessoal — que, segundo dados oficiais, representaram 82% das despesas entre janeiro e agosto deste ano. Embora o governo reconheça o potencial explosivo do pacote, o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, mantém otimismo diante do que está por vir e aposta na capacidade de diálogo para superar resistências. Sem entrar em detalhes, o secretário afirma que sugestões feitas por entidades sindicais e por parlamentares foram contempladas.
— Estamos confiantes de que os projetos serão analisados, votados e aprovados — ressalta Vivian.
O recente recuo de Leite na controvérsia envolvendo o IPVA também pode contar a favor do governador para assegurar a fidelidade da base. No último dia 5, depois de anunciar o fim do parcelamento do imposto, Leite ouviu críticas de apoiadores e chegou à conclusão de que levar a definição adiante comprometeria a articulação política. Em movimento calculado, voltou atrás e assumiu o erro. A atitude pegou bem.
Para evitar novos ruídos, o governador planeja apresentar a versão final do pacote aos aliados antes de encaminhar as medidas ao Legislativo. A reunião deve ocorrer após a promulgação da reforma da Previdência, em Brasília, marcada para as 10h desta terça-feira (12). Outra preocupação do governador é externar a sindicatos e órgãos de classe o que ficou definido. Só depois disso as proposições serão protocoladas.
Conforme o líder do governo na Assembleia, deputado Frederico Antunes (PP), os projetos de lei tramitarão em regime de urgência. Ou seja: em um mês, passarão a trancar a pauta. Isso deve ocorrer em 17 de dezembro, três dias antes do fim do ano legislativo.
Já a PEC, que exige votação em duas etapas, seguirá o rito normal. Com isso, serão necessários cerca de 45 dias até a primeira votação.
— É muito provável que o primeiro turno da PEC já se dê em convocação extraordinária. A tendência é de que o chamado ocorra no final de janeiro. Por conta da mudança na presidência da Assembleia (que será assumida por Ernani Polo, do PP, mesmo partido de Antunes), os deputados já estarão de volta a Porto Alegre, o que garante quórum — projeta o deputado.
Contra medidas, sindicatos preparam ato na Capital
Em repúdio ao pacote, entidades que representam o funcionalismo preparam ato conjunto para esta quinta-feira (14), em Porto Alegre. Na manifestação, que terá início às 13h30min, no Largo Glênio Peres, no Centro, será votada a rejeição às propostas do governo do Estado. Em seguida, a partir das 15h30min, os manifestantes planejam caminhar até o Palácio Piratini para entregar o documento ao governador.
— Serão mais de 40 entidades envolvidas, não só de servidores públicos estaduais, mas também de municipais e federais. O eixo será a defesa do serviço público. As pessoas não se deram conta, mas sofrerão as consequências desse desmonte. Quem vai dar aula nas periferias? Quem vai aplicar vacina? Quem vai cuidar da segurança nas ruas — questiona Érico Corrêa, um dos coordenadores da Frente dos Servidores Públicos.
Conforme o sindicalista, não está descartada a votação de indicativo de greve, caso o pacote seja enviado à Assembleia. O Cpers-Sindicato, que representa os professores estaduais, já decidiu paralisar atividades 72 horas após o protocolo dos textos. A data poderá ser antecipada, dependendo do desfecho de nova assembleia geral, marcada para esta quinta-feira, às 9h30min, na Praça da Matriz.
Principais propostas de Leite
Pontos do pacote ainda poderão ser modificados, já que o governo recebeu sugestões de sindicatos e deputados. A seguir, confira um resumo das principais propostas, com base no que se sabe até agora.
- Fim dos adicionais por tempo de serviço e das promoções automáticas
- Fim do efeito cascata nas remunerações
- Não será mais permitido incorporar funções gratificadas às aposentadorias
- Servidores presos deixarão de receber remuneração
- Diárias pagas por deslocamento em serviço serão reduzidas
- Gratificação de permanência de civis e abono de incentivo à permanência dos militares terão valores reduzidos
- A pedido do servidor, passará a ser possível diminuir a carga horária com redução do salário
- Abono família (pago por filho) será restrito a servidores de baixa renda
- O servidor poderá ser liberado para teletrabalho, mas terá metas de produtividade
- Amplia a possibilidade de perda de cargo, que poderá ocorrer se o servidor for reprovado em avaliação periódica de desempenho (a ser tratada em lei complementar)
Plano do magistério
- O governo propõe a revisão completa do plano de carreira do magistério, que data de 1974 e nunca foi atualizado
- As mudanças incluem reduzir os níveis de progressão funcional (de seis para cinco) e pagar o piso nacional da categoria, como manda a lei
- Em contrapartida, os adicionais por tempo de serviço terão fim e haverá mudanças no adicional de difícil acesso, que hoje é pago de forma indistinta
- A remuneração prevista para cada nível e classe da carreira não estará mais atrelada ao básico, acabando com o efeito cascata a cada reajuste
Mudanças na Previdência
É um dos pontos mais amplos e controversos do pacote e atinge tanto servidores civis quanto militares.
Nova base de cálculo
Ampliar a base de cálculo das contribuições de inativos e pensionistas, enquanto persistir déficit atuarial. Hoje, só contribuem os aposentados do Estado que ganham acima do teto do INSS (R$ 5,8 mil). A intenção é estender a cobrança aos inativos que ganham a partir de um salário mínimo (R$ 998).
Alíquotas progressivas
Os servidores ativos contribuem com 14%, assim como os inativos que ganham acima do teto do INSS, tanto civis como militares. A intenção é ampliar o percentual, com alíquotas progressivas. Conforme o governo, a alíquota efetiva máxima será de 16,67% para os proventos mais altos de todos os poderes. Os inativos que recebem até o teto do INSS terão alíquota efetiva máxima de 11,61%.
Alinhamento com as regras federais
O governo pretende replicar medidas da reforma federal e adotar os parâmetros de inatividade previstos para os militares no projeto de Lei 1.645, que altera o sistema de proteção social das Forças Armadas.
Atuação sindical
- Servidores que se afastam do trabalho para participar de atividades sindicais não serão remunerados e aqueles que atuam na direção de sindicatos (com mandatos classistas) deixarão de receber gratificações.
- A proposta azedou ainda mais a relação das entidades sindicais com Leite. É possível que o governo recue nesses pontos ou em parte deles.