Depois de aprovar, por sete votos a quatro, que réus delatados têm que falar depois de delatores, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá qual a abrangência dessa regra nas instâncias inferiores.
A maioria dos ministros entendeu que réus delatados devem apresentar suas alegações finais por último, depois dos réus delatores. Ações que não seguiram esse rito podem ter suas condenações revistas. Alegações finais são a última etapa de uma ação penal antes da sentença e a oportunidade final para as partes se manifestarem.
Oito dos ministros votaram para que a Suprema Corte fixe uma tese para saber se a proposta que pode anular sentenças da Operação Lava-Jato será válida na primeira e na segunda instâncias, a partir de quais momentos e se valerá também para sentenças já proferidas.
Para o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, é necessário que os argumentos tenham sido feitos até a fase das alegações finais e que, para os processos já sentenciados, é necessário argumentar qual o prejuízo que aconteceu.
Toffoli levou adiante a sua tese no plenário, o que gerou controvérsia. Para alguns ministros, era errado colocar isso em votação, uma vez que o que estava sendo analisado era um habeas corpus específico, o de Márcio Almeida Ferreira.
O que foi aprovado
O STF, por 7 votos a 4, aprovou a tese de que réus delatados têm que falar depois dos delatores.
O que foi apresentado por Toffoli
Uma tese sobre a abrangência dessa decisão: se anula todos os casos em que isso não aconteceu, se vale apenas para os que já foram pedidos ou se vale apenas para os casos novos. Para Toffoli, é necessário que os argumentos tenham sido feitos até a fase das alegações finais e que, para os processos já sentenciados, é necessário argumentar qual o prejuízo que aconteceu.
O que foi votado na tarde desta quarta
Se era correto que seja fixada uma tese a partir da decisão do STF de que réus delatados têm que falar depois dos delatores. Oito ministros votaram a favor (Dias Toffoli, que propôs a tese, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello).
Depois disso, o que vai acontecer?
Os ministros vão votar se aprovam a tese de Dias Toffoli, na próxima sessão.
O julgamento
Por 7 votos a 4, o Supremo decidiu que, para garantir o amplo direito à defesa e ao contraditório, assegurado pela Constituição, o réu delatado tem de ter a oportunidade de falar por último para se defender de todas as acusações que surgirem. Votaram a favor da tese os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da corte, Dias Toffoli.
Já Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, e os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello foram contra e disseram não ver nulidade no prazo simultâneo que vem sendo dado para réus delatores e delatados se manifestarem.
A tese sobre a ordem das alegações finais foi debatida a partir de um caso concreto, o de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. A maioria dos ministros concedeu a ele um habeas corpus, por causa dessa questão processual, que anulou sua condenação.
Foi a segunda condenação da Lava-Jato anulada pelo STF. A primeira havia sido a do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, analisada na Segunda Turma em agosto.
A decisão do plenário desta quarta não tem efeito imediato para casos semelhantes, mas o Supremo abriu um precedente para anular outras sentenças, que deverão ser analisadas caso a caso.
O ex-presidente Lula, por exemplo, pode ser beneficiado em ao menos um de seus processos — o do sítio de Atibaia (SP), em que foi condenado em primeira instância em razão de reformas bancadas por empreiteiras no imóvel frequentado por sua família.
Lula está preso desde abril do ano passado pela condenação no caso do triplex de Guarujá (SP). Esse processo teve circunstâncias distintas e não deve ser afetado pelo novo entendimento do Supremo.
Discussão sobre fixar uma tese
Se não fosse este Supremo Tribunal Federal, não haveria combate à corrupção no Brasil.
Durante quase duas horas, na sessão desta quarta, os ministros discutiram se deveriam ou não fixar uma tese que servirá para orientar decisões futuras sobre outros casos semelhantes ao que estava em análise. Por 8 votos a 3, deliberaram que uma tese será fixada.
Toffoli propôs que o entendimento sobre a ordem das alegações de delatores e delatados só anulem sentenças de réus que 1) tiverem pedido, ainda durante o julgamento em primeira instância, para apresentar alegações por último e tiverem tido o pleito negado e 2) tiverem comprovado que foram prejudicados. Essas restrições deverão ser debatidas na tarde desta quinta-feira.
Ao votar, Toffoli se exaltou e, elevando o tom da voz, disse que o Supremo enfrenta, sim, a corrupção -numa resposta a críticos da atuação da corte que acusaram a decisão de abrir brecha para a impunidade.
Toffoli classificou como "falácia" e "desonestidade intelectual" o discurso de que o Supremo atua em sentido contrário ao do combate à corrupção. Sem mencionar especificamente a Lava Jato, ele também afirmou que a corte repudia "abusos e excessos".
— Esta corte defende o combate à corrupção, mantém as decisões tomadas feitas dentro dos princípios constitucionais e dos parâmetros do Estado de direito, mas repudia os abusos e os excessos e tentativas de criação de instituições e poderes paralelos. Se não fosse este Supremo Tribunal Federal, não haveria combate à corrupção no Brasil — afirmou o presidente do STF.
Em entrevistas recentes, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirmou que a tese aprovada no Supremo representa um "tremendo retrocesso" ao combate à corrupção.
Recados para a Lava-Jato
O Brasil viveu uma era de trevas no processo penal.
O julgamento desta quarta marca o início da sequência de recados duros que o Supremo pretende dar à Lava-Jato e ao ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL).
Em março, quando a operação completou cinco anos, o Supremo impôs os primeiros reveses à força-tarefa de Curitiba. Decidiu que crimes comuns (como corrupção), quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois), devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, e não pela Justiça comum.
Também naquele mês, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu o acordo entre o MPF e a Petrobras que previa a criação, sob coordenação da Procuradoria, de um fundo bilionário com dinheiro de multas pagas pela estatal.
A corte ainda deve ter outros julgamentos que, em suma, podem tornar sem efeito decisões do ex-juiz e da força-tarefa coordenada por Deltan. Toffoli tem indicado aos colegas disposição de levar ao plenário em breve as ações que questionam a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, uma das principais bandeiras da Lava-Jato.
Na Segunda Turma, o ministro Gilmar Mendes pretende retomar o julgamento de um habeas corpus pedido por Lula em que a defesa alega a suspeição de Moro.
No plenário, nesta quarta, Gilmar citou as mensagens de Telegram divulgadas pelo Intercept e lançou ataques diretos a Deltan e Moro, antecipando o que poderá vir no julgamento na turma.
— Usava-se (na Lava-Jato) prisão provisória como forma de tortura. E quem defende tortura não pode ter assento na corte constitucional. O Brasil viveu uma era de trevas no processo penal. — disse o ministro referindo-se ao ex-juiz.
Nos casos de Bendine e de Ferreira, que tiveram suas condenações anuladas pela Segunda Turma e pelo plenário, respectivamente, os processos em si não foram extintos. Eles voltarão para a fase de alegações finais, e os dois podem vir a ser condenados novamente.
As ações penais sobre os dois réus devem voltar para a primeira instância da Justiça Federal em Curitiba para serem refeitas, dando a oportunidade de as defesas dos delatados apresentarem alegações finais depois dos delatores.