Já aprovado pela Câmara dos Deputados e em vias de ser votado de forma sumária pelo Senado, um projeto de lei que altera regras eleitorais e partidárias amplia as brechas para caixa 2 e reduz a possibilidade de punição por irregularidades. Ao mesmo tempo, a proposta amplia as chances do dinheiro público ser utilizado pelas legendas e esvazia os mecanismos de controle e transparência no uso dessas verbas.
O texto, que conta com apoio de várias legendas no Congresso, foi aprovado pelo plenário da Câmara por 263 votos a 144 na última semana. O Senado tentou votá-lo a toque de caixa na quarta (11), mas a pressão de entidades da sociedade civil e de alguns parlamentares forçou o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a adiar a análise para a próxima terça-feira (17).
— Trata-se do maior retrocesso desde a redemocratização em termos de transparência e integridade dos partidos políticos — afirma o cientista político Marcelo Issa, diretor-executivo do movimento Transparência Partidária.
Ao lado de pelo menos outras 22 entidades — entre elas o Transparência Brasil e o Contas Abertas — ele assina carta de repúdio à proposta que deve ser entregue a Alcolumbre no início da próxima semana. "Entre outros graves retrocessos, a proposta compromete severamente a transparência das contas partidárias e a eficiência dos respectivos processos de fiscalização", diz o texto.
Entre as propostas previstas está a abertura para que cada partido apresente à Justiça Eleitoral uma prestação de contas em modelo próprio. A medida quebra a padronização do sistema adotado até agora, dificultando a fiscalização.
Os atuais 33 partidos políticos brasileiros são financiados atualmente, de forma majoritária, pelos cofres públicos. São dois fundos: o partidário, que é anual e destina cerca de R$ 1 bilhão às legendas, e o eleitoral, de dois em dois anos, que direcionou R$ 1,7 bilhão às campanhas em 2018.
Atualmente, elas devem apresentar até o mês de abril à Justiça Eleitoral, obrigatoriamente pelo sistema eletrônico Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), suas contas do ano anterior. O projeto prevê que as legendas podem utilizar qualquer sistema de contabilidade. Issa disse ter falado com a área técnica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que relatou ser praticamente inviável fazer a análise desse jeito.
— Imagine a Receita Federal recebendo a declaração do Imposto de Renda cada uma de um jeito. Em termos de controle social, compromete severamente — completa ele, para quem a medida traz de volta "a caixa-preta" nas contas partidárias.
Outras mudanças tornam bastante improvável qualquer punição da Justiça pelo mau uso do dinheiro público. Pelo texto, o partido só poderá ser punido caso fique comprovado o dolo, ou seja, que ele agiu com consciência de que estava infringindo a lei. A regra vale, inclusive, para casos já em análise pelos tribunais e que não tenham tido, ainda, decisão definitiva.
Além disso, erros, omissões e outras falhas nas prestações de contas poderão ser corrigidas até o julgamento.
O texto assinado pelas entidades diz que essa "previsão pode, na prática, revelar-se verdadeira autorização para lançamento de dados falsos sobre contas de campanha" nas ferramentas eletrônicas da Justiça Eleitoral. Esses instrumentos, afirma, "se demonstraram fundamentais" "para detecção tempestiva" das candidaturas de laranjas — como as revelações feitas pelo jornal Folha de S.Paulo de esquema de candidaturas femininas de fachada no PSL, partido do presidente da República Jair Bolsonaro.
Outro ponto criticado no projeto é o que permite o uso praticamente livre das verbas públicas para pagamento de escritórios de contabilidade e advogados para filiados, incluindo aqueles que respondam acusações de corrupção. Atualmente, a Justiça tem barrado esse tipo de gasto.
Pelo projeto, o uso fica autorizado e seus valores não serão contabilizados para efeito dos limites de gastos pelos candidatos e de doações feitas pelas pessoas físicas. Segundo especialistas, isso amplia a possibilidade de caixa 2 por meio da declaração de serviços fictícios de advocacia ou contabilidade.
A proposta também amplia a possibilidade de uso do fundo partidário. Além dos gastos advocatícios e com contabilidade, ficam permitidos pagamentos de multas eleitorais e compra de sedes partidárias e de passagens aéreas para não filiados em casos de "congressos, reuniões, convenções e palestras".
O senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator do projeto, disse que alterações estavam sendo propostas e que a ideia era garantir "igualdade e oportunidade aos candidatos".
— O PT participou amplamente dessa discussão. Consideramos que (este projeto) pode ter pequenas imperfeições, mas ele é fundamental para a consolidação da democracia no nosso país e a garantia de regras eleitorais justas — afirmou o líder da legenda, Humberto Costa (PE).
— Esse projeto que se tenta aqui aprovar de afogadilho afrouxa o combate à corrupção — diz Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Caso seja aprovado pelo Senado sem alteração, o texto segue para sanção ou veto de Bolsonaro. Se sofrer mudanças, volta para a Câmara.