Diálogos atribuídos ao procurador Deltan Dallagnol apontam que o coordenador Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) teria usado a Rede Sustentabilidade para driblar as limitações da força-tarefa e mover uma ação contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. As supostas mensagens foram obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas em parceria com o portal Uol nesta quarta-feira (7).
A publicação ocorre um dia depois de o site El País Brasil divulgar supostos diálogos entre os procuradores da Lava-Jato nos quais teriam afirmado que estavam investigando Gilmar no âmbito da operação envolvendo Paulo Preto.
O material divulgado pelo Uol nesta quarta aponta que a articulação teria envolvido o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e resultado na apresentação de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo — atribuição que não compete à Lava-Jato — para impedir que Gilmar soltasse presos em processos que ele não fosse o juiz da causa. A negociação foi relatada por Dallagnol a outros integrantes da força-tarefa a partir de 9 de outubro de 2018, segundo os diálogos.
"Resumo reunião de hoje: Gilmar provavelmente vai expandir decisões da Integração pra Piloto. Melhor solução alcançada: ADPF da Rede para preservar juiz natural", teria escrito Dallagnol no grupo Filhos do Januário 3 no aplicativo Telegram, composto por membros da força-tarefa.
Duas horas depois, Dallagnol teria afirmado que Randolfe havia concordado em promover a ação pretendida pela Lava-Jato.
"Randolfe: super topou. Ia passar pra Daniel, assessor jurídico, já ir minutando. Falará hoje com 2 porta-vozes da Rede para encaminhamento, que não depende só dele", escreveu Dallagnol no mesmo grupo dos procuradores no Telegram, segundo o Uol.
No dia seguinte, 10 de outubro, o procurador Diogo Castor, então membro da força-tarefa, teria dado a entender que enviou para um integrante da equipe de Randolfe uma "sugestão" sobre como deveria ser a minuta da ação — indício de que a ADPF teve participação dos procuradores.
Na ação, o partido argumenta que a ação é necessária "para impedir que o referido Ministro Gilmar Mendes continue a conceder liminares para beneficiar presos de modo absolutamente revel à liturgia do processo penal, convertendo-se numa espécie de 'Supervisor-Geral' das prisões cautelares levadas a termo em operações de combate à corrupção no Brasil".
Relator
Segundo as mensagens, assim que a notícia de que a ADPF tinha sido protocolada chegou, os procuradores começaram a especular sobre quem seria o ministro relator. No dia 11 de outubro, Diogo Castor teria anunciado que seria a ministra Cármen Lúcia.
O procurador Athayde Ribeiro Costa, outro integrante da força-tarefa, dispararia então: "Frouxa". Castor teria rebatido que contra Gilmar Mendes "Ela vai crescer". Athayde discordou, conforme as mensagens: "Amiguinha". Dallagnol teria encerrado a discussão, também manifestando uma opinião crítica sobre a ministra: "Ela é amiga da esposa do GM (Gilmar Mendes)".
Em novembro, Cármen Lúcia negou seguimento à ADPF da Rede, arquivando a ação.
Contraponto
A força-tarefa de Curitiba reafirmou que não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes e repetiu que o "material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade".
Randolfe Rodrigues e a Rede Sustentabilidade, em nota conjunta, negaram que o partido tenha sido usado para propor no STF uma ADPF elaborada pelos procuradores da Lava-Jato. Afirmam que "no caso em apreço, a ação citada foi ajuizada após o Ministro Gilmar Mendes ter concedido habeas corpus de ofício a Beto Richa e outros 'ilustres' investigados, burlando as regras de sorteio de relatoria do STF e se convertendo numa espécie de 'Liberador-Geral da República'. Repudiamos essa decisão, que causou enorme embaraço ao Tribunal, por convicção de que ela reflete uma postura de leniência com corruptos poderosos e não um compromisso autêntico com o devido processo legal: o ajuizamento da ADPF nº 545 se deu exclusivamente por este motivo".
Diz ainda que "a decisão final sobre o ajuizamento ou não de ações de controle de constitucionalidade ou quanto à propositura de medidas legislativas sempre passa por rigoroso crivo político interno, de modo que esta grei ou seus parlamentares jamais se converteram ou se converterão em meros porta-vozes de quem quer que seja". O senador e o partido ainda destacaram ter uma "postura intransigente" em relação à corrupção.