Na reta final da gestão Michel Temer (MDB), o Ministério do Turismo baixou uma portaria criando uma comissão para reavaliar, em 30 dias, pareceres que reprovavam integral ou parcialmente sete convênios firmados pela pasta entre os anos de 2006 e 2010, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida foi publicada em 25 de outubro do ano passado — três dias antes da eleição de Jair Bolsonaro.
Nos dois meses seguintes, três servidores designados para a comissão produziram pareceres revisando praticamente todas as conclusões anteriores. Dois dos convênios foram alvos da Operação Voucher, da Polícia Federal, que em 2011 prendeu 36 pessoas sob suspeita de desvios de recursos do ministério.
Como resultado da revisão feita no apagar das luzes do governo Temer, a determinação de devolução aos cofres públicos de R$ 21,5 milhões, em valores a serem corrigidos, foi quase extinta, caindo para apenas R$ 19 mil.
A portaria foi assinada pelo então secretário nacional de Qualificação e Promoção do Turismo, Babington dos Santos, conhecido como Bob Santos. Ele continua até hoje com cargo de direção no ministério, sendo atualmente o secretário nacional de Integração Interinstitucional.
Bob Santos chegou à pasta por indicação do deputado federal Herculano Passos (MDB-SP), presidente da Frente Parlamentar do Turismo na Câmara dos Deputados. O deputado é — ao lado do presidente nacional do PSL, o também deputado federal Luciano Bivar (PE) — um dos responsáveis pela indicação do atual ministro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL).
Nos últimos dias de dezembro de 2018, a Controladoria-Geral da União (CGU) encaminhou ofício ao ministério solicitando informações sobre a comissão. Álvaro Antônio afirmou, em nota, que mandou suspender os efeitos da portaria que criou a comissão em abril, assim como o resultado produzido por ela, até a conclusão da apuração pela CGU.
Entre os principais problemas apontados pelos pareceres do ministério, investigações da PF e auditoria da CGU estão superfaturamento, licitações fraudadas, ausência dos serviços prestados e gastos sem relação com os convênios — como notas fiscais de consumo em uma das churrascarias mais caras de Brasília.
As parcerias foram firmadas pelo ministério com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) e a prefeitura de Fernando Prestes (SP) durante a gestão Lula. A maior parte tinha como objetivo qualificar mão de obra para eventos como a Copa do Mundo de 2014.
O ministro do Turismo na gestão Michel Temer, Vinicius Lummertz — atual secretário de Turismo do Estado de São Paulo — afirmou à Folha de S.Paulo que a comissão foi criada a pedido do presidente-executivo da Abrasel, Paulo Solmucci Jr.
— Nesta época fomos procurados por representantes da Abrasel, por se sentirem prejudicados. Assim tomamos a medida para apurar os fatos, com transparência, buscando, como é de nossa obrigação, conhecer a verdade — disse.
A entidade é a responsável por 5 dos 7 convênios. Os dois principais são o 354/2007 e o 717476/2009. O primeiro foi reprovado em parecer conclusivo de 2017, que determinava a devolução aos cofres públicos de R$ 13,9 milhões, corrigidos.
"A convenente (Abrasel) não conseguiu atingir o objetivo do projeto a contento, tendo em vista fatores que macularam todo o convênio, como irregularidades na contratação de empresas de consultoria técnica para planejar, acompanhar e avaliar a execução do projeto que deveria ser de responsabilidade da própria convenente, o que demonstrou total incapacidade técnica para gerir recursos públicos", diz o relatório.
O segundo foi alvo da sindicância da CGU relativo à operação Voucher. O objetivo era que a associação qualificasse 15.360 profissionais e 100 restaurantes nas 12 cidades-sede da Copa de 2014.
Entre outras irregularidades, a sindicância da CGU e a área técnica do Turismo encontraram suspeita de superfaturamento (hora/aula com custo de R$ 11,99, sendo que em ação similar do ministério o mesmo trabalho tinha hora/aula de R$ 4,36), além de seis notas de consumo na churrascaria Fogo de Chão com valores entre R$ 107 e R$ 569. A determinação era de devolução de R$ 7,2 milhões, corrigidos.
Em nota, o Ministério do Turismo afirmou que os efeitos do trabalho da comissão estão suspensos, mas não respondeu a perguntas específicas sobre qual foi o embasamento legal e os critérios usados para a reavaliação dos sete convênios e não de outros.
O ex-ministro Lummertz disse que razões sobre a mudança dos pareceres deveriam ser solicitadas à atual gestão.
A Abrasel confirmou ter feito ao ministério o pedido de novas reavaliações, afirmando que a atitude se ampara no princípio constitucional do amplo direito de defesa:
"É comum ocorrer aprovações com ressalvas ou reprovações que estão sujeitas às reavaliações previstas no processo normal, quando se abre a oportunidade para contestar entendimentos ou complementar documentações".
A assessora jurídica da FBHA, Lirian Cavalhero, afirmou que a comissão apenas referendou parecer de aprovação de 2018 que aponta necessidade de o ministério ainda repassar R$ 2,3 milhões à entidade pelo convênio. Cavalhero também rechaçou o parecer técnico do ministério, que afirma que a entidade descumpriu prazos a normas na apresentação de um segundo recurso.
— A administração pública não só pode, como deve, analisar esses novos elementos, podendo (...) anular ou revogar seus atos ou decisões, especialmente quando equivocados ou eivados de vícios — diz.
A Prefeitura de Fernando Prestes, que teve reprovada a prestação de contas de um convênio de R$ 250 mil para a realização da 17ª Festa do Peão Boiadeiro, não respondeu.