A criação de zonas eleitorais especializadas e o emprego de juízes federais na Justiça Eleitoral — com o objetivo de dar eficiência e celeridade a processos de corrupção e lavagem de dinheiro — geraram controvérsia em audiência pública realizada nesta sexta-feira (3), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tais medidas, para algumas entidades, são ilegais e inconstitucionais.
O TSE deve deliberar sobre o tema a partir de um relatório que será elaborado pelo ministro Og Fernandes e entregue à presidente da corte, ministra Rosa Weber, no próximo dia 14.
Em março, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Justiça Eleitoral, e não a Federal, deve ser a responsável por processar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro quando investigados junto com crimes eleitorais, como caixa 2. A principal crítica feita, sobretudo por procuradores da República, era que a Justiça Eleitoral não tem estrutura nem expertise para julgar crimes complexos como os que têm sido descobertos pela Lava-Jato.
Alguns Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), como o da Bahia e o do Rio Grande do Sul, criaram zonas eleitorais especializadas em analisar esses casos, concentrando nelas os processos de corrupção que tenham ligação com caixa dois. Para o advogado Guilherme Barcelos — que falou na audiência pública pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e pela União dos Vereadores do Brasil — a iniciativa é inconstitucional porque viola o princípio do juiz natural, o que pode levar à nulidade dos processos.
— O problema é a questão do juiz natural, direito fundamental de qualquer cidadão. Ao criar duas zonas eleitorais exclusivas para apreciar essas matérias (de corrupção e lavagem), o TRE do Rio Grande do Sul afrontou o princípio do juiz natural. Há uma jurisprudência de décadas que estabelece que a competência para julgar os crimes eleitorais é do juízo do local do fato delituoso — disse Barcelos.
— No exemplo que dei, ambas as zonas eleitorais estão situadas em Porto Alegre. Aí, o sujeito comete supostamente um delito em Bagé, a 386 quilômetros de Porto Alegre, e vai ser julgado em Porto Alegre? Não deveria. — defendeu.
Na audiência, o advogado também sustentou que é inconstitucional designar juízes federais para atuar em zonas eleitorais. A medida é defendida pelo Ministério Público Federal (MPF), que afirma que os juízes federais têm conhecimento para julgar crimes de corrupção e lavagem.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, disse na audiência pública que a experiência exitosa da Justiça Federal no combate à corrupção não pode ser desprezada, e que a Justiça Eleitoral pode, sim, ganhar reforço de juízes federais.
Barcelos, por outro lado, afirmou que a Constituição prevê que as zonas eleitorais sejam compostas por juízes de direito expressão usada, no meio jurídico, para se referir a juízes estaduais, e não federais.
— A posição de juízes federais em zonas eleitorais é inconstitucional e ilegal — sustentou.
Já o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes, defendeu uma participação maior dos juízes federais na Justiça Eleitoral:
— Muito antes do julgamento do STF nós defendemos a tese de que a Justiça Eleitoral, por ser uma Justiça federal (bancada pela União), também tem que contar com a participação de juízes federais no primeiro grau. A ideia é de que cada zona eleitoral seja integrada por pelo menos um juiz federal.
— Quando você traz para a Justiça Eleitoral o julgamento de crimes de natureza comum, como os da Lava-Jato, se verifica a ocorrência de juízes não afetos ao julgamento desses delitos ou não especializados. A preocupação da Ajufe é de que isso possa redundar em uma ineficiência da Justiça Eleitoral — completou.
Questionado por jornalistas sobre as controvérsias que surgiram na audiência, o ministro do TSE, Og Fernandes, preferiu não se posicionar:
— Se é matéria que pode causar questionamento, significa que virá à apreciação do Judiciário. Entendo que não posso me manifestar, porque posso ser chamado, aqui no TSE, a decidir. Não conheço o texto (das resoluções que criaram nos estados as zonas especializadas), mas conheço as preocupações dos presidentes dos TREs, sei que eles estão angustiados com a necessidade de implementar (medidas).