A Justiça Eleitoral decidiu seguir o modelo da Lava-Jato e passou a criar zonas especializadas pelo Brasil. A ação foi tomada para dar conta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual definiu que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro — quando investigados junto com caixa 2 — devem ser processados no braço eleitoral da Justiça, e não no Federal.
Além disso, foram anunciados cursos de capacitação de servidores e juízes eleitorais sobre esses temas — normalmente não abordados nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). As novas medidas são uma reação ao argumento de ministros e procuradores de que a Justiça Eleitoral poderia ser usada para frear as investigações devido à falta de estrutura e de expertise para lidar com apurações do tipo.
— Pela complexidade (dos casos), a gente vai ter que dar uma resposta rápida, justamente para acabar com a afirmação de que a Justiça Eleitoral seria inapta — diz o promotor Rodrigo Zilio, que coordena promotores eleitorais no Rio Grande do Sul.
No Rio Grande do Sul e na Bahia, as novas resoluções preveem que os juízes das zonas eleitorais especializadas fiquem por um período maior do que os dois anos regulamentares se isso for necessário para dar andamento aos casos de corrupção.
Os TREs dos dois estados também determinaram que casos de corrupção com elos com crimes eleitorais sejam enviados para apenas duas zonas eleitorais dos estados, independentemente do local de onde aconteceram os fatos. Com isso, os casos de suspeitas de corrupção cairiam sempre com os mesmos juízes, criando uma afinidade com o tema que poderia acelerar o andamento dos casos.
Esse formato de especialização repete o adotado na Lava-Jato, onde a 13ª Vara Federal de Curitiba é especializada em crimes financeiros e o titular dedica-se apenas a esses casos.
Os Tribunais Regionais também tentam organizar uma força-tarefa de servidores voltados especificamente para esse tipo de investigação. As equipes da Justiça Eleitoral precisarão estar familiarizadas com instrumentos que não tinham relação direta com seu dia a dia, como acordos de colaboração, informes do Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf) - órgão federal de inteligência que detecta movimentações financeiras atípicas - e relatórios de interceptações telefônicas.
— O magistrado eleitoral vem dos Tribunais de Justiça, é emprestado. Pode ser que no TJ ele não milite na área criminal. Às vezes o magistrado não conhece aquela área no cotidiano — diz o diretor-geral do TRE do Rio, Bruno Andrade.
Defensores da mudança argumentam que a responsabilidade pelas investigações continuará com a Polícia Federal, corporação que deu início à Lava-Jato. Entre os entraves está até a adequação dos sistemas de processo eletrônico, já que o usado no âmbito eleitoral não é o mesmo do adotado na segunda instância do Rio de Janeiro nem do utilizado pela Polícia no Paraná.
Em março, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que autorizasse juízes federais de varas especializadas em corrupção e lavagem a trabalhar em casos eleitorais. A sugestão foi criticada pela Associação Brasileira de Magistrados.
O diretor-executivo no Brasil da ONG Transparência Internacional, Bruno Brandão, afirma que as medidas articuladas nos estados devem ser insuficientes para compensar as consequências da decisão do STF em março:
— É positivo que haja um movimento de adaptação mínima, no que é possível ser feito. Mas só vai mitigar um dano desastroso que se anuncia para a investigação.
Justiça Eleitoral x Justiça Federal
O que foi decidido pelo STF?
O tribunal decidiu em 14 de março que processos envolvendo caixa dois (crime eleitoral) associado a delitos como corrupção e lavagem de dinheiro (crimes comuns) devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. A PGR e a força-tarefa da Lava Jato queriam que as ações fossem fatiadas: a parte referente a crimes eleitorais seria remetida à Justiça Eleitoral e a relativa a delitos comuns ficaria a cargo da Justiça Federal.
Quais as consequências da medida do Supremo?
Defesas começaram a pedir o envio de processos e investigações da Justiça comum para a Eleitoral e a anulação de ações já sentenciadas no âmbito da Lava Jato em Curitiba. Os TREs também passaram a se preparar para um envio em massa de investigações com conexões com crimes que não estavam habituados a tratar, como lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.
Quais são as medidas estudadas?
RS e BA já decidiram que casos desse tipo serão tratados apenas em duas zonas eleitorais cada, que terão jurisdição sobre todo o estado. A ideia é criar uma especialização que facilite o andamento dos processos e agilize os julgamentos.
Quais os entraves para a atuação da Justiça Eleitoral?
Esse braço do Judiciário historicamente não tem a mesma a especialização para tratar de assuntos abordados na Lava Jato, como crimes financeiros, que demandam investigações complexas e cooperações internacionais. Além disso, ganham mais uma atribuição, embora já tenham como função organizar eleições e julgar cassações de mandato e de registro de candidaturas.