Em julgamento polêmico e com placar apertado, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nesta quinta-feira (14) que processos envolvendo crimes eleitorais e conexos, como corrupção, devem ser enviados à Justiça Eleitoral. A medida atinge casos da Lava-Jato. Antes do julgamento, procuradores que atuam na força-tarefa já haviam criticado o posicionamento da Corte e alertado que a decisão poderá significar o “fim” da operação.
O placar da votação, que ficou dividida em duas sessões, foi de seis votos a cinco. Votaram a favor do envio de processos de crimes comuns ao âmbito eleitoral os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, Dias Toffoli. Em sentido contrário, posicionaram-se Edson Fachin, relator da Lava-Jato na Corte, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Carmem Lúcia.
A sessão foi marcada por novas manifestações de ministros sobre a campanha de integrantes da Lava-Jato em torno do julgamento. Um dos mais exaltados, Gilmar Mendes disparou contra integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que pressionaram o STF, com apoio de milhares de internautas.
– O que se trava aqui é uma disputa de poder, que se quer ganhar a fórceps, constranger, amedrontar as pessoas – bradou.
Gilmar Mendes fez referência à tentativa de procuradores de criar um fundo com administração privada a partir de recursos recuperados de corrupção na Petrobras. Para ele, trata-se de “fundo eleitoral”.
Inquérito criminal vai investigar fake news
O ministro subiu ainda mais o tom ao citar quatro procuradores que criticaram o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, que havia soltado Beto Richa, ex-governador do Paraná, da prisão, em 1º de fevereiro. Além de chamar os integrantes do MPF de “cretinos” e “gentalha despreparada”, disse que, “se estudaram em Harvard, não aprenderam nada”.
Ainda no início, em medida rara na Corte, Toffoli determinou de ofício a abertura de inquérito criminal para apurar a divulgação de reportagens que considera “fraudulentas” e que atingem a Corte. Segundo o ministro, o ato levou em conta “a existência de notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimo caluniante, difamante e injuriante”.
Em meio às polêmicas envolvendo uma parcela dos ministros e integrantes da Lava-Jato, o ministro Luis Roberto Barroso apelou para que o STF não permitisse o envio de crimes comuns à Justiça Eleitoral. Para ele, a complexidade dos casos exige a análise pela Justiça Federal, onde há expertise sobre o tema.
– Tem uma coisa que está dando certo, aí vem o Supremo e muda. É difícil de entender e explicar à sociedade porque nós estamos mudando algo que está funcionando – argumentou.
Ao tratar de crimes relacionados a infrações eleitorais, como caixa 2, Barroso disse que as campanhas eleitorais e a atividade política no país incorporaram a corrupção como prática.
– O dinheiro vem de uma cultura de achaque e corrupção, e não estou relatando um caso isolado – disse Barroso.
Embora discorde do rumo tomado pelo STF, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, garantiu que não vê riscos “neste momento” de que a decisão irá prejudicar a Lava-Jato
– Mas é preciso avaliar com cuidado e não perder o foco contra a corrupção e a impunidade –alertou a procuradora-geral.
O que foi discutido no STF?
O tribunal julgou se processos envolvendo caixa dois (crime eleitoral) associado a delitos como corrupção e lavagem de dinheiro (crimes comuns) deveriam ser enviados por completo à Justiça Eleitoral – tese vencedora, por seis votos a cinco – ou se deveriam ser separados e enviados à Justiça comum e à Eleitoral. O caso em questão é o do inquérito que apura suspeitas de caixa 2, corrupção e evasão de divisas envolvendo o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM).
Por que o assunto entrou em pauta?
Com restrições ao foro especial determinadas pelo STF e com a perda do mandato de políticos envolvidos na Lava-Jato, processos que estavam com o tribunal devem ser enviados a instâncias inferiores. A 2ª Turma, responsável pelos casos da operação, tem optado por enviá-los à primeira instância da Justiça Eleitoral, uma vez que a maioria do colegiado entende que esta teria preferência para julgar os crimes eleitorais e aqueles a eles relacionados. No caso em julgamento, o STF entendeu que, como parte dos supostos crimes não estaria relacionada ao mandado de Pedro Paulo como deputado federal, deveria ser remetida à primeira instância. A defesa pediu que o processo continuasse no STF ou, não sendo isso possível, que fosse remetido à Justiça Eleitoral, e não à Justiça comum.
O que diz a Procuradoria-Geral da República (PGR)?
Pediu que os casos ficassem separados. Para a PGR, a Justiça Eleitoral não está equipada para lidar com crimes complexos como o de corrupção e não tem profissionais especializados nisso. Essa também é a visão do ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro.
O que dizem os procuradores da Lava -Jato?
Afirmam que a decisão do STF pode esvaziar a operação, uma vez que a maioria dos processos envolve a associação entre caixa 2 e crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Além disso, avaliam que a decisão pode abrir precedente para que processos que já foram julgados pela Justiça comum sejam questionados juridicamente. Isso não é consenso entre especialistas.
O que dizem os especialistas favoráveis à separação dos casos?
Consideram que o envio de ações envolvendo crimes comuns sobrecarregaria a Justiça Eleitoral. Por sua natureza, esse ramo do Judiciário prioriza processos relacionados à cassação de mandatos, que demandam resolução célere. Outro problema é a própria composição da Justiça Eleitoral, que não tem membros fixos, mas magistrados “emprestados” de outros tribunais e advogados integrando os tribunais regionais eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral. Por fim, a Justiça Eleitoral é considerada por advogados dos réus como atrativa por envolver punições mais brandas.
E os contrários?
Afirmam que o Código Eleitoral especifica que cabe à Justiça Eleitoral “processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos” (art. 35º). Também entendem que cabe ao Ministério Público e à Polícia Federal se reestruturarem para que os casos sejam investigados no âmbito da Justiça Eleitoral.
O que aconteceu com os casos enviados à Justiça Eleitoral?
Em São Paulo, casos da Lava-Jato remetidos à Justiça Eleitoral em 2018 pouco andaram no Ministério Público Eleitoral. Na Lava-Jato no Paraná, há condenações em até seis meses na Justiça comum.