Ídolo popular celebrado em manifestações de rua Brasil afora, Sergio Moro ingressou no governo Jair Bolsonaro projetando a imagem do magistrado implacável que iria moralizar Brasília. Quase cinco meses depois, o cenário é bem diferente. Sufocado pelos vícios da política cotidiana, o ministro da Justiça e Segurança e ex-juiz da Operação Lava-Jato coleciona derrotas e recuos, muitos deles impostos pelo próprio presidente.
“Sobre a decisão da maioria da Câmara de retirar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Justiça, lamento o ocorrido. Faz parte da democracia perder ou ganhar. Como se ganha ou como se perde também tem relevância. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) e o plano de fortalecimento do Coaf”, escreveu o ministro em uma rede social.
A retirada do órgão da jurisdição de Moro foi somente o mais recente percalço. Ele já havia sido ignorado pelo Planalto nos termos dos decretos das armas, foi obrigado a retirar a indicação da cientista política Ilana Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e viu seu pacote anticrime ser escanteado no Congresso.
Nos bastidores do governo, a devolução do Coaf para o Ministério da Economia é vista como mera questão burocrática, que não afeta a capacidade de apuração, mas o que ficou da votação foi o simbolismo de um novo fracasso imposto ao ex-juiz.
A derrota teve o aval do próprio Planalto. Além dos rumores de que Bolsonaro prefere o Coaf aos cuidados do ministro Paulo Guedes, horas antes de a medida provisória (MP) ser apreciada, o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, articulou com os presidentes da Câmara e do Senado a aprovação do texto com a retirada do órgão da Justiça. O PSL contrariou a orientação de Onyx e votou a favor de Moro.
— Muita gente aqui quer atingir Moro: o PT, por causa de Lula, e o centrão, principalmente. Mas o governo não tem os 210 votos que recebeu. Não houve vencedores e vencidos — comenta o deputado Júlio delgado (PSB-MG).
Quem convive com Moro afirma que ele já previa a derrota e havia assimilado o golpe. Visto com desconfiança pelos parlamentares, aos poucos tem trabalhado para mudar a imagem de intolerante à política. Desde a posse, já recebeu 106 deputados e senadores, fazendo do gabinete um dos mais abertos ao Congresso. Seus interlocutores dizem que é respeitoso e aberto ao debate, diferente da imagem do “juiz radical que condenava todo mundo”.
Nos círculos jurídicos, a avaliação é de que Moro é um profissional dos mais qualificados, mas que está totalmente deslocado no governo. Ao aceitar o convite de Bolsonaro, teria sido seduzido pela expectativa de participar de uma gestão transformadora.
As vicissitudes da realidade política e o desejo confesso de obter uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) teriam colaborado para sua estagnação.
— Moro é brilhante, mas abdicou da carreira porque achou que poderia fazer do Ministério da Justiça uma grande vara especializada em investigação. Só que ele faz parte de um descalabro que é o governo Bolsonaro. Agora está muito exposto e se tornou um aspirante declarado ao STF. É constrangedor — afirma o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp.