O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai ao Congresso entregar um estudo que se opõe ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro.
O documento elaborado por juristas e associações do direito, como Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege), tece críticas ao projeto e apresenta sugestões.
A entidade, agora, negocia uma data, provavelmente até a primeira quinzena de maio, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para a entrega do estudo.
Para o grupo de trabalho da OAB, ao menos 10 medidas do plano do governo Jair Bolsonaro precisam ser revistas, pois ferem a Constituição.
São elas: 1) execução antecipada da pena; 2) execução antecipada de decisões do Tribunal do Júri; 3) modificações nos embargos infringentes; 4) mudanças no instituto da legítima defesa, em especial aos agentes de segurança pública; 5) alterações no regime de prescrição; 6) mudanças no regime de cumprimento da pena; 7) mudanças em relação ao crime de resistência; 8) criação do confisco alargado; 9) interceptação de advogados em parlatório; 10) acordos penais.
A que mais provocou contrariedade entre os conselheiros é a possibilidade de interceptação de advogado em parlatório - gravação de conversas entre advogado e cliente preso.
Um trecho do pacote de Moro altera a lei que regulamenta presídios federais de segurança máxima e estabelece a instalação de câmera no parlatório e nas áreas comuns, para fins de preservação da ordem interna e da segurança pública. As gravações entre advogado e cliente só poderão ser autorizadas por decisão judicial.
A interceptação, segundo o relatório da OAB, fere o Estatuto da Advocacia, que garante o sigilo profissional. Os pareceristas Alberto Toron e Lenio Streck também dizem que o projeto de Moro vai contra o artigo 133 da Constituição, "que confere status indispensável à figura do advogado para a administração da Justiça, destacando-se a inviolabilidade de seus atos e manifestações no exercício da profissão".
Escanteada pelo ministro da Justiça, a OAB também reclama que poderia ter contribuído tecnicamente para elaboração do texto que altera 14 pontos do Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Código Eleitoral.
"Há convergência total por parte da comunidade científica de que a proposta do Ministério da Justiça não foi precedida do indispensável debate público que se esperava em um projeto com esse impacto sobre o sistema penal, processual penal e penitenciário", diz o documento.
O advogado criminalista Juliano José Breda, presidente da Comissão de Garantia do Direito de Defesa e relator do estudo, diz que o Conselho Federal convidou Moro para participar de reunião da entidade em 8 de abril. Mas, segundo ele, o ministro disse que não teria agenda e foi acompanhar Bolsonaro nos EUA.
— O projeto do ministro já começa com uma série de erros. O primeiro deles é a ausência de um debate aprofundado com os advogados especializados. Não foi construído democraticamente — afirma Breda.
— A segunda observação, a mais grave, é que o pacote veicula matérias de indiscutível inconstitucionalidade — completou.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça, enviou perguntas e solicitou uma entrevista com Moro. A assessoria respondeu, na quarta-feira (17), que Moro nem outro porta-voz atenderiam ao pedido.
Outros nove trechos do pacote anticrime de Moro não sofreram rejeição entre os conselheiros da OAB.
São eles: 1) a criminalização do caixa dois; 2) criação do banco de perfil genético de condenados; 3) regulamentação da conexão de crimes da competência da Justiça Eleitoral; 4) criação do informante do bem; 5) alteração do regime jurídico dos presídios federais; 6) interrogatório e audiências por videoconferências; 7) aperfeiçoamento do conceito de organizações criminosas; 8) regulamentação das escutas ambientais; e 9) modificação do sistema de cobrança das multas penais.
Medidas questionadas pela OAB
1) Execução da pena antes do trânsito em julgado
Cumprimento da sentença imediatamente após condenação em segunda instância
O que diz a OAB: fere princípio constitucional da presunção de inocência.
2) Execução antecipada das decisões do Tribunal do Júri
Cumprimento da sentença imediatamente após condenação pelo júri.
O que diz a OAB: viola a presunção de inocência, o duplo grau de jurisdição e favorecerá aumento de erros do Judiciário.
3) Modificações nos embargos infringentes
Esse recurso só poderá ser interposto pelo réu caso um dos juízes em segunda instância tenha votado pela absolvição total dele.
O que diz a OAB: projeto busca cercear os meios de defesa e estimula injustiças, reduzindo esse recurso apenas à hipótese de voto absolutório. Se votarem por uma pena menor, com modificação de regime de pena ou prescrição, não caberão embargos infringentes
4) Mudanças no instituto da legítima defesa, em especial aos agentes de segurança pública
O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se a reação decorrer de medo, surpresa ou violenta emoção. Considera-se legítima defesa o policial ou agente de segurança que agir em conflito armado ou em risco de conflito.
O que diz a OAB: Medo, surpresa e violenta emoção são novidades que enfraquecem a resposta penal e, pior, podem funcionar como válvula de impunidade em casos graves. Levarão ao incremento da violência policial.
5) Alterações no regime da prescrição
Inclui novos pontos que dificultam o prazo de prescrição, como se houver embargos de declaração e quando houver recursos tramitando nos tribunais superiores (STJ e STF).
O que diz a OAB: ação é inoportuna e inadequada, pois pode gerar ainda maior lentidão nos processos. Não é possível utilizar uma sentença absolutória para prejudicar o réu
6) Mudanças no regime de cumprimento da pena
Condenado reincidente ou habitual deve cumprir pena em regime fechado. Para crimes hediondos, a progressão do regime só pode valer após cumprimento de 3/5 da pena.
O que diz a OAB: permite que o juiz, sem critérios claros, decida, por exemplo, que em uma condenação de 6 anos por um determinado crime, a pessoa só possa progredir de regime após 5 anos e meio de cumprimento de pena.
7) Mudanças em relação ao crime de resistência
A nova redação prevê pena de até 30 anos quando houver risco de morte de funcionário público ou a terceiro.
O que diz a OAB: uma coisa é a ação de resistência da qual resulta morte; outra, bem diferente, é a que acarreta apenas o "risco de morte" para o agente público ou para terceiro.
8) Criação do confisco alargado
Decreta a perda, como produto ou proveito do crime, dos
bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
O que diz a OAB: Inconstitucional porque inverte o ônus da prova, presumindo a ilegalidade do patrimônio do cidadão sem comprovação em um devido processo legal.
9) Interceptação de advogados em parlatório
Presídios deverão ter sistema de monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns. Gravações entre advogado e cliente preso poderão ser autorizadas pelo juiz.
O que diz a OAB: proposta é inconstitucional e atenta gravemente contra o direito de defesa e viola direitos do advogado e cliente.
10) Acordos penais
Espécie de negociação entre acusado e Ministério Público. Há possibilidade da confissão de crimes em troca de uma pena.
O que diz a OAB: inconstitucional porque, ao exigir concordância expressa do Ministério Público, retira do Judiciário o poder de concessão do benefício, de definição das penas e as formas de seu cumprimento. Viola o direito de defesa e não estabelece condições para uma negociação leal, com paridade de armas entre acusação e defesa