O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou nesta quinta-feira (18) decisão dele próprio que censurou os sites da revista Crusoé e O Antagonista após publicarem reportagens sobre o presidente da corte, Dias Toffoli.
A decisão foi tomada após duras críticas de juristas, entidades de jornalismo e de ministros do Supremo, entre eles o decano, Celso de Mello, à censura.
Relator de inquérito aberto para apurar fake news, ofensas e ameaças contra o Supremo, Moraes determinou na segunda (15) que fossem retiradas do ar reportagens que faziam menção ao apelido de Toffoli na Odebrecht. A ordem foi dada após um pedido de providências do ministro.
Alexandre de Moraes, entretanto, negou que a sua decisão anterior fosse um ato de censura.
"O exercício da liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade pelo conteúdo ilícito difundido, tanto no campo cível (danos materiais e morais), quanto na esfera criminal, caso tipificado pela lei penal; fazendo cessar a injusta agressão, além da previsão do direito de resposta", afirmou.
O recuo de Alexandre evita mais desgaste para ele e Toffoli, que ficaram isolados na defesa da decisão. Deve impedir também um provável revés no plenário, caso um recurso levasse o caso para julgamento no colegiado.
Em mensagem divulgada nesta quinta-feira, o ministro Celso de Mello chamou a censura de intolerável e disse que é uma perversão da ética do direito. "A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República", escreveu. Mello não fez referência direta à decisão de Moraes contra os sites.
O objeto da censura
Os veículos censurados publicaram textos com uma menção a Toffoli que teria sido feita pelo empresário e delator Marcelo Odebrecht em um e-mail de 2007, quando o atual presidente do Supremo era chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) do governo Lula.
No e-mail, enviado agora à Polícia Federal pelo empresário no âmbito de uma apuração da Lava-Jato no Paraná, Marcelo Odebrecht teria perguntado a dois executivos da empreiteira: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?". Não há menção a pagamentos ou irregularidades.
Nesta quinta, o ministro Marco Aurélio Mello classificou a decisão de Moraes de mordaça e disse que aguardaria um recuo dele. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Marco Aurélio disse ainda que, na opinião dele, a maioria dos ministros do Supremo era contra a determinação de Moraes de retirada de reportagens.
— Penso que o convencimento da maioria é no sentido diametralmente oposto ao do ministro Alexandre de Moraes. Eu o conheço bem, ele (Moraes) deve estar convencido disso. Aguardo um recuo — afirmou Marco Aurélio.
Ao ser questionado se havia outra palavra, além de censura, para tratar a ordem judicial de Moraes, Mello respondeu:
— Mordaça. Isso não se coaduna com os ares democráticos da Constituição de 1988. Não temos saudade do regime pretérito. E não me lembro nem no regime pretérito, que foi regime de exceção, de medidas assim, tão virulentas como foi essa.
Em entrevista publicada nesta quinta no jornal Valor Econômico, o ministro Dias Toffoli defendeu a censura que havia sido determinada por Moraes.
— Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim — disse.
Toffoli completou:
— É necessário mostrar autoridade e limites. Não há que se falar em censura neste caso da Crusoé e do Antagonista.
Nesta quarta-feira (17), Toffoli disse ao jornal que o documento com o apelido "não diz nada com nada".
— Daí tirem as suas conclusões. Era exatamente para constranger o Supremo. Quando eu era ministro, sem ser presidente, nunca entrei com ação (contra uma publicação), nunca reclamei. Mas agora é uma questão institucional. Ao atacar o presidente, estão atacando a instituição.
Presidente do STF alega pressão de procuradores
De acordo com Toffoli, a revista e o site publicaram essa informação sobre o apelido para constranger o Supremo dias antes de a corte analisar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
— É ofensa à instituição à medida que isso tudo foi algo orquestrado para sair às vésperas do julgamento em segunda instância. De tal sorte que isso tem um nome: obstrução de administração da Justiça.
O julgamento estava marcado para o último dia 10 de abril, mas foi adiado por Toffoli uma semana antes. Já a reportagem do site e da revista foi ao ar somente na noite de quinta-feira da semana passada, dia 11 –e o documento da Odebrecht foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril.
Segundo o diretor da revista Crusoé, Rodrigo Rangel, "a reportagem descreve o teor de um documento constante dos autos da Lava Jato, contextualizando as informações nele contidas, sem fazer juízo de valor nem acusações ao ministro". "E não há, no texto, qualquer tipo de ofensa ao Supremo Tribunal Federal", afirma Rangel.
Ainda na entrevista ao jornal, o presidente do STF sugeriu existir 'interesses internacionais' por trás dos ataques à corte.
— A destruição das instituições e de reputações faz parte de uma campanha de ódio. Temos que saber se não há interesses internacionais por trás disso, de desestabilizar as instituições. Interesses nada republicanos.
Toffoli comentou também a decisão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de propor o arquivamento do inquérito aberto por ele para apurar fake news e ofensas aos integrantes da corte. "A PGR opina, dá parecer. Quem decide é a magistratura, é o Poder Judiciário."