Sob o título, “O amigo do amigo de meu pai”, a revista Crusoé publicou uma reportagem no último dia 11 revelando esclarecimentos prestados pelo empresário e delator Marcelo Odebrech na Lava-Jato. O episódio ganhou notoriedade por fazer menção ao atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli.
De acordo com a publicação da Crusoé, investigadores da Lava-Jato questionaram um e-mail enviado por Odebrecht, em 2007, a dois executivos da empreiteira, Adriano Maia e Irineu Meireles. Na mensagem, o empresário escreveu: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?".
Odebrecht explicou à Polícia Federal (PF), segundo a revista, que a mensagem se referia a tratativas que Maia, então diretor jurídico da empreiteira, tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.
"Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?"
MARCELO ODEBRECHT
Em e-mail a executivos
"Amigo do amigo de meu pai" se refere a José Antonio Dias Toffoli, disse Odebrecht. À época, o hoje presidente do STF era ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O empresário não esclareceu quais eram as tratativas, indicando que somente Maia poderia explicá-las, por ter sido o responsável por elas.
Na sexta (12), o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator de um inquérito que apura fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a honra dos integrantes do tribunal, determinou a retirada do ar dos conteúdos que citam Toffoli publicadas pelos sites da Crusoé e O Antagonista (do mesmo grupo) — a notificação ocorreu na segunda-feira (15).
Moraes considerou que a reportagem da Crusoé se tratava de fake news por relatar que o esclarecimento prestado por Odebrecht havia sido remetido à Procuradoria-Geral da República (PGR), enquanto uma nota divulgada pela PGR informa que o órgão não havia recebido esse material.
Moraes, que atendeu a um pedido de Toffoli, determinou ainda multa diária de R$ 100 mil e mandou a Polícia Federal (PF) ouvir os responsáveis pelo site e pela revista em até 72 horas. Mario Sabino, publisher da Crusoé, prestou depoimento na terça-feira (16).
Para reverter a decisão, a revista Crusoé acionou o STF na terça-feira (16). A defesa do veículo ajuizou uma reclamação contra a decisão de Moraes, alegando que ela contraria decisão anterior do plenário da Corte que garantiu liberdade da atividade jornalística. Os advogados de Crusoé reafirmam o argumento dos jornalistas da revista de que Moraes se apegou a uma questão lateral — onde estava o documento, na PGR ou em Curitiba — para classificar toda a reportagem como inverídica.
Críticas de entidades
Entidades de defesa da liberdade de imprensa e advogados que pesquisam o tema criticaram a decisão de Moraes. O assunto também movimentou as redes sociais.
"Nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional", afirma a nota da diretoria nacional da OAB.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) divulgaram nota em que protestam contra a medida. Para elas, a decisão de proibir a divulgação da reportagem "configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF".
"As entidades assinalam que a legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação. A censura é inconstitucional e incompatível com os valores democráticos", diz o texto da Aner e da ANJ.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou em nota que "causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal". A organização assinalou que Moraes não explica na decisão o que considera "claro abuso no conteúdo da matéria veiculada" nem "esclarece como o tribunal conceitua fake news, já que não há consenso sobre o tema nem entre especialistas em desinformação".
O magistrado escreveu que se fazia necessária a intervenção do Judiciário no caso porque se estava diante de "típico exemplo de fake news".
"O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender", salientou a Abraji. A associação de jornalistas disse ainda esperar que a medida seja revista e que se "restabeleça aos veículos atingidos o direito de publicar as informações que consideram de interesse público".