A revista Crusoé acionou o Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (16) para reverter a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a retirada de uma reportagem do ar e ordenou que jornalistas e sócios da publicação prestem depoimento à polícia.
Os advogados da revista ajuizaram uma reclamação contra a decisão de Moraes, alegando que ela contrariou decisão anterior do plenário da corte que garantiu a liberdade da atividade jornalística.
O processo foi distribuído para a relatoria do ministro Edson Fachin, que já é relator de uma ação ajuizada pela Rede que questiona a legalidade do inquérito aberto pelo STF para investigar fake news e ofensas aos ministros da corte. Foi no âmbito desse inquérito que Moraes determinou a retirada de reportagem e notas publicadas nos sites da revista Crusoé e O Antagonista.
A revista afirmou, na reclamação, que foi alvo de censura, e que sua reportagem se baseou em documento verídico que constava de inquérito da Lava-Jato em Curitiba, como outros veículos de comunicação também noticiaram.
"Os demais veículos de imprensa também divulgaram o documento, e apuraram a veracidade do mesmo. Entender que a reclamante (Crusoé) não deve publicá-lo, além de ser ato de censura judicial, e prévia, por inexistir processo que digira os fatos devidamente, é também censura porque atinge a isonomia constitucional, no momento em que, isoladamente, impede que o documento chegue a público apenas pelos periódicos da reclamante", alegou a revista.
Na sexta (12), Moraes determinou a retirada do ar de uma reportagem e de notas publicadas na semana passada pelos sites da revista Crusoé e O Antagonista — que foram notificados na segunda (15).
Os textos noticiavam a existência de um email do empresário e delator Marcelo Odebrecht em que, conforme um esclarecimento dele, havia uma menção a Toffoli.
O email era de julho de 2007, época em que Toffoli era advogado-geral da União no governo Lula (PT). A mensagem de Marcelo Odebrecht a dois executivos da empreiteira dizia: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?". Não há qualquer citação a pagamentos ou irregularidades.
A PF perguntou a Odebrecht quem era a pessoa mencionada, e ele respondeu, no início deste mês, que era Toffoli.
Moraes considerou que a reportagem de Crusoé se tratava de fake news porque relatava que o esclarecimento prestado por Odebrecht havia sido remetido à PGR. Para sustentar esse entendimento, o ministro utilizou uma nota divulgada pela PGR que informava que não havia recebido esse material. O documento com o esclarecimento de Odebrecht era de um inquérito da Lava-Jato em Curitiba.
Na reclamação ao Supremo, os advogados de Crusoé reafirmam o argumento dos jornalistas da revista de que Moraes se apegou a uma questão lateral — onde estava o documento, na PGR ou em Curitiba — para classificar toda a reportagem como inverídica.
"A informação prestada pela Procuradoria-Geral da República, no sentido de que não recebeu qualquer informação relacionada ao colaborador Marcelo Odebrecht, não permite por si só concluir tratar-se de 'fake news', mas apenas que a Procuradoria ainda não recebeu a informação e/ou documento, até porque a matéria foi devidamente documentada", argumentou a revista.
Críticas de entidades
Entidades de defesa da liberdade de imprensa e advogados que pesquisam o tema criticaram na segunda-feira (15) a decisão do ministro Alexandre de Moraes.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) divulgaram nota em que protestam contra a medida. Para elas, a decisão de proibir a divulgação da reportagem "configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF".
"As entidades assinalam que a legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação. A censura é inconstitucional e incompatível com os valores democráticos", diz o texto da Aner e da ANJ.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou em nota que "causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal". A organização assinalou que Moraes não explica na decisão o que considera "claro abuso no conteúdo da matéria veiculada" nem "esclarece como o tribunal conceitua fake news, já que não há consenso sobre o tema nem entre especialistas em desinformação".
O magistrado escreveu que se fazia necessária a intervenção do Poder Judiciário no caso porque se estava diante de "típico exemplo de fake news".
"O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender", afirmou a Abraji. A associação de jornalistas disse ainda esperar que a medida seja revista e que se "restabeleça aos veículos atingidos o direito de publicar as informações que consideram de interesse público".