A censura à Revista Crusoé e ao site O Antagonista, combinada com a operação de busca e apreensão em endereços de sete suspeitos de atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), gerou alvoroço entre os ministros e o princípio de uma crise institucional com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Em ofício encaminhado à Corte nesta terça-feira (16), Raquel informou ter arquivado o inquérito nº 4.781, origem das investigações de fake news e ataques ao STF que culminaram com as decisões do ministro Alexandre de Moraes. A postura da procuradora foi recebida com desdém pelo corpo de ministros já que o Ministério Público não tem poder para arquivar um inquérito. Cabe à instituição solicitar o arquivamento, esta sim prerrogativa exclusiva de magistrados.
Raquel já havia contestado a abertura das investigações, feita de ofício pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Nas sete páginas remetidas nesta terça-feira ao tribunal, ela reitera as críticas. Segundo a procuradora-geral, até agora o Ministério Público Federal (MPF) não foi informado o objeto específico do inquérito e das investigações em andamento.
Raquel cita ainda que não foi ouvida antes da censura aos veículos de comunicação, tampouco sobre os mandados de busca e apreensão. "É necessário reiterar, ainda, que não foi solicitada manifestação da Procuradoria-Geral da República neste inquérito, em qualquer ocasião, na forma determinada pela Constituição e pela lei vigentes", reforça a chefe do MPF.
A confusão turvou ainda mais o ambiente no STF. À boca pequena, os demais ministros reclamam com ênfase da postura de Toffoli e Moraes. Toffoli é criticado pelo voluntarismo exacerbado na proposição da investigação, inclusive com atropelo à legislação que reserva ao Ministério Público à titularidade da ação penal. Dessa forma, caberia à PGR instaurar o inquérito e determinar o objeto específico da investigação. Toffoli não só determinou ele próprio o procedimento como ignorou o protocolo da Corte e, evitando sorteio, entregou a relatoria da apuração direto a Moraes. Também teria sido vago ao não especificar o escopo da apuração. "A delimitação da investigação não pode ser genérica, abstrata, nem pode ser exploratória de atos indeterminados, sem definição de tempo e espaço, nem de indivíduos", argumenta Raquel no ofício.
Já Moraes teria se excedido ao proibir a publicação da reportagem que citou ligação de Toffoli com a Odebrecht e sobretudo ao bloquear o acesso de investigados a redes sociais, atitude classificada como censura prévia. O ministro justificou as decisões sustentando que a Crusoé usou informações inverídicas e que os investigados fizeram reiterados ataques ao tribunal e os ministros. "O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções na persecução criminal: um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse", reforça a procuradora-geral.
— O Estado acusador é o MP, não é o Supremo. O presidente resolveu instaurar o inquérito. O primeiro equívoco é esse. O segundo, quando ao invés de levar à distribuição ele designou um relator, o ministro Alexandre de Moraes. Eu não aceitaria nunca porque foi a quebra da organicidade do próprio tribunal. Agora se partiu para uma censura, o que é inconcebível de um guardião maior da Constituição — disse ao jornal O Globo o ministro Marco Aurélio Mello, um dos poucos a se manifestar publicamente sobre o imbróglio.
Mello também estranhou a manifestação da PGR, na qual Raquel se arvora ao direito de arquivar o inquérito. Nos bastidores, os ministros comentam que há excessos de lado a lado. Um assíduo frequentador dos gabinetes do STF diz que, na melhor das hipóteses, a investida de Raquel será ignorada. Na pior, pode causar retaliações, com os magistrados propensos a diminuir o poder de investigação do MPF.