— Uma barbaridade — foi assim que o sempre sóbrio Michel Temer reagiu ao conversar brevemente com um jornalista no momento da prisão pela força-tarefa da operação Lava-Jato, na manhã desta quinta-feira (21), em São Paulo.
Cercado de policiais, mas sem algemas e com um caminhar aparentemente tranquilo, o ex-presidente foi encaminhado ao Aeroporto de Guarulhos, de onde seguiu em um avião da Polícia Federal até o Rio de Janeiro. Usava um terno cinza impecável e os fios de cabelo penteados para trás, como de costume.
O cuidado com a aparência reflete o comportamento do ex-presidente, sempre polido, discreto e habilidoso negociador político. Durante o período em que comandou o país, entre 18 de abril de 2016 e 1º de janeiro de 2019, costumava escandir as frases nos pronunciamentos como se estivesse datilografando um texto, com todas as pausas e inflexões que os discursos requerem.
— Nunca o vi irritado nem falar um palavrão. Ele observa muito a máxima de que o sujeito tem duas orelhas e uma boca, tem de ouvir mais do que falar — resumiu em entrevista a GaúchaZH em 2016 Paulo Lucon, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual e integrante da confraria Amigos da Lei, da qual Temer faz parte e que reúne juristas, políticos e até ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Temer não tem time de futebol. Segundo amigos, prefere dedicar o tempo livre à leitura, consumindo em média quatro livros por mês. Também é fã de filmes clássicos e seriados. Antes de assumir a Presidência, presenteou um amigo com a coleção de DVDs da série The Tudors, que narra as intrigas palacianas enfrentadas por Henrique VIII, o sedutor monarca inglês que rompeu com o Vaticano e casou inúmeras vezes na obsessão por ter um filho varão.
Admiração das colegas de faculdade e três casamentos
Católico na infância, Temer tornou-se maçom e casou três vezes. Também manteve pelo menos outros dois relacionamentos. Tem três filhas mais velhas do que a atual mulher, Marcela – 42 anos mais jovem do que ele –, e dois filhos homens, o primogênito nascido quando estava prestes a se tornar sexagenário.
– As meninas sempre gostaram muito de se aproximar do Michel. E ele apreciava isso – lembrou em 2016 a ex-colega no curso de Direito Norma Kyriakos.
– O que chama a atenção é que ele está sempre impecável, parece recém ter saído de um banho – completou à época outra ex-colega, Maria Christina Napolitano.
Negociações políticas na mesa do restaurante
Típico restaurante de bairro – com preços honestos, comida boa e um aprazível terraço defronte à Praça Panamericana, reduto de alto padrão na zona oeste de São Paulo – o Senzala é um dos locais preferidos de Temer, não só para refeições, mas também para articulações políticas.
GaúchaZH esteve no restaurante em 2016, pouco antes de o emedebista assumir oficialmente a Presidência da República. Segundo funcionários do estabelecimento, ele costumava conduzir reuniões políticas em um prédio ao lado do restaurante. Não raro, os encontros derivam para uma mesa de seis lugares nos fundos do salão, onde a proximidade com a quina das paredes evita a aproximação de curiosos e a propagação das articulações.
Em uma das vezes em que esteve no restaurante, por pouco não deparou com um desafeto que o hostilizara um ano antes. Dedo em riste, o cliente dissera que Temer e Dilma haviam acabado com o país. O então vice manteve a fleuma e desprezou o agressor.
Em outra ocasião, Temer estava com a mulher, Marcela, mas seu lugar predileto estava ocupado. Por sugestão do maître, ocupou a mesa ao lado, a de número 13. O garçom brincou com a situação, e Temer sorriu, polido, mas constrangido. Quando GaúchaZH esteve no local, os funcionários reviraram gavetas e utensílios, mas não encontraram o marcador com o número do PT.
– Desapareceu – angustiava-se o gerente Daniel Carvalho, diante do riso dos garçons que especulavam se o vice teria dado um sumiço na placa.
Quando era deputado, Temer tinha por hábito encomendar por telefone um frango desossado com legumes e, depois, ir buscar o pedido no balcão do Senzala. Percorria a pé os 900 metros até em casa, um imponente casarão de dois andares.
Os vizinhos festejavam a segurança da rua, guarnecida 24 horas por agentes federais, mas não tinham muita simpatia por Temer. Há quem diga que ele avançou o limite de construção do imóvel sob uma linha de alta tensão e que já chamou a polícia para encerrar uma festinha infantil na praça em frente à casa. Os empregados, porém, não guardavam queixas do patrão.
— Ele é gente muito boa, paga direitinho — disse, na época, o auxiliar de serviços gerais José Humberto.