Michel Temer não poderia perder aquele baile. Estava em campanha à presidência do Centro Acadêmico do Direito da Universidade de São Paulo (USP) e os eleitores mais influentes estariam no Clube Pinheiros, ambiente perfeito para cabalar votos. Mas a noite era de gala, e ele não tinha um smoking.
A solução foi usar o traje de um irmão, Adib, que vestia um número bem maior do que o dele. Encolhido de vergonha no paletó em que sobrava tecido nas mangas e nos ombros, Temer passou a noite escorado em uma pilastra, sem circular pelo salão. Perdeu a eleição por 229 votos de diferença. E nunca mais alguém o viu desalinhado.
Mais de meio século após o Baile das Américas de 1962, o Michel Temer que assumiu a Presidência da República usava ternos impecáveis, camisas sem rugas, abotoaduras e pagava R$ 230 por um corte de cabelo no Jassa, o mais tradicional salão da capital paulista.
Com um terno cinza, igualmente impecável, o mesmo Temer que assumiu o Planalto após o impeachment de Dilma Rousseff embarcou em um avião da Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, com destino ao Rio de Janeiro. Quase três meses após entregar a faixa presidencial a Jair Bolsonaro, foi preso em operação da Lava-Jato.
Veja a seguir a trajetória do ex-presidente, desde a infância no interior de São Paulo até a prisão.
De bom aluno a filho ilustre com ressalvas
Michel Temer nasceu às 5h01min de 23 de setembro de 1940, em Tietê, município de 40 mil habitantes fundado por bandeirantes no interior de São Paulo. Temer foi o caçula entre oito irmãos do casal de libaneses Miguel e March Lulia, que havia migrado para o Brasil uma década antes. Proprietário de um armazém e de uma chácara onde beneficiava arroz e café, Miguel pagou 5 mil réis pelo registro do filho, 15 dias após o nascimento. Assinaram como testemunha um lavrador e um servente de pedreiro.
Criado sob rígida doutrina de respeito aos mais velhos, Temer jamais foi um menino levado, tampouco um aluno exemplar. Todos os dias, caminhava dois quilômetros para chegar à Escola Plínio Rodrigues de Morais, onde concluiu o antigo Ginásio (atual Ensino Fundamental) com média 6,8 e especial dificuldade nas disciplinas de latim e matemática. Fazia sucesso com as meninas nas quermesses, mas gostava mesmo era de se encarapitar nas montanhas de arroz para brincar com espadas feitas de jornal.
— O Michel era o único da turma que tinha dinheiro para ir ao cinema. Então, ele assistia aos episódios de Flash Gordon e depois nos contava tudo. Daí a gente encenava as lutas no moinho do pai dele — contou em 2016 ao GaúchaZH o comerciante James Milanelo, 75 anos, amigo de infância.
O vizinho de James, Luiz Beneton, afirmou à reportagem que já se deparou algumas vezes com cenas típicas de House Of Cards, a série do Netflix na qual o vice-presidente Frank Underwood chega com todo seu aparato de segurança em um boteco de Washington para comer costeletas de porco. Na pacata Tietê, Beneton se assustava com a presença de quatro carros pretos e vários seguranças circundando a esquina. Em uma delas, James estava no pátio quando ouviu alguém se aproximando.
— Não tem ninguém para atender nessa loja aqui? — perguntou o então vice-presidente.
— É duro deixar a porta aberta que qualquer um já vai entrando — brincou James, ao rever o amigo.
Temer deixou Tietê em 1956, aos 15 anos, para estudar na capital paulista. Formou-se em Direito na Universidade de São Paulo e ingressou na política. Tornou-se o filho ilustre da cidade natal – expressão eternizada em uma placa em frente ao coreto da praça central. Apesar do reconhecimento, Temer nunca foi unanimidade em Tietê. Em 2006, na última vez que concorreu a deputado, nem sequer foi o mais votado do município – fez 3.627 votos entre os mais de 20 mil eleitores que foram às urnas. Como vice de Dilma, perdeu nos dois turnos de 2010 e 2014.
De coadjuvante na política a protagonista
Após trajetória como deputado, Temer concorreu a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Dilma Rousseff, em 2010. Em 2014, foi reeleito para o cargo. Em 65 meses de Vice-Presidência, jamais teve voz ativa nas decisões de governo. Raramente era chamado a palpitar e, em geral, suas indicações para ministérios eram ignoradas por Dilma. Nesse período, ainda teve o desgosto de ver fieis escudeiros sendo sabotados pelo Planalto, como Eliseu Padilha e Moreira Franco.
Esse cenário se inverteu em 2016, com a abertura do processo de impeachment de Dilma no Congresso e a confirmação da saída da petista. Temer não era popular. Não tinha voto. Não inflamava multidões com memoráveis discursos. Não encarnava os anseios de um povo. O que ele tinha – como antes dele José Sarney, Itamar Franco ou João Goulart – era a circunstância de ser o segundo da lista, o vice.
A Presidência não lhe caiu ao colo por motivos alheios à vontade. Começou a ser construída apenas sete meses depois da posse de Dilma para o segundo mandato. Em 5 de agosto de 2015, ao comentar a crise econômica do país, disse que "é preciso alguém com capacidade de unir a todos". Era a senha para a queda de uma presidente com alta rejeição popular e que enfrentava um Congresso cada vez mais hostil para o advento de uma nova gestão, que duraria dois anos e oito meses.
Menos de três semanas depois do 5 de agosto, Temer deu mais um lance no seu jogo dos tronos. Anunciou que renunciava ao cargo de articulador político de Dilma. Em 2 de dezembro daquele ano, o correligionário de Temer e presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha anunciou que aceitava a abertura do processo de impeachment de Dilma, encerrado em 31 agosto de 2016, quando o emedebista assumiu o comando do país oficialmente.
Reformas e impopularidade histórica
A habilidade que demonstrara para chegar ao poder desapareceu, como por encanto, no exercício do poder propriamente dito. A primeira polêmica foi a formação do ministério. Presidente de um país em que mulheres e negros são a maioria da população, ele realizou a façanha de anunciar uma equipe formada exclusivamente por homens brancos. Ministros caíram logo no começo do novo governo por conta das ações da Lava-Jato.
A partir de maio de 2017, o próprio presidente viu-se enredado com a Justiça, após a divulgação de uma conversa entre Temer e Joesley Batista, um dos donos da JBS. Resistiu a essas e outras denúncias de corrupção e promoveu algumas reformas, como a trabalhista e a educacional (com a flexibilidade do Ensino Médio), além da instituição de um teto dos gastos públicos por 20 anos. Tudo isso lhe rendeu taxas de impopularidade históricas. Pesquisa CNI/Ibope divulgada em dezembro de 2018 apontou que 85% dos brasileiros desaprovavam o governo Temer.
Apesar da rejeição e das denúncias, Temer pareceu chegar ao fim do mandato banhado em bom humor. Na última reunião com a equipe de governo antes de deixar o cargo, abriu o coração:
– Até vou sentir muita falta do "Fora Temer". Quando falavam "fora" era porque eu estava dentro.
A prisão
Depois que passou a faixa presidencial para Jair Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, Temer pouco foi visto. Voltou às manchetes apenas nesta quinta-feira (21), após a confirmação da prisão pela força-tarefa da Lava-Jato. Escapou das denúncias durante o mandato, mas sem o foro privilegiado teve um mandado de prisão expedido pelo juiz federal Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro. A investigação é sobre desvios em obras da Usina de Angra 3 e tem como base delações do doleiro Lúcio Funaro, apontado como operador do MDB, e do empresário José Antunes Sobrinho, dono da Engevix.
Sóbrio, vestindo um terno cinza e acompanhado de policiais federais, foi encaminhado ao Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, de onde segue para o Rio de Janeiro para responder as acusações de ser líder de uma organização criminosa.