O governador José Ivo Sartori (MDB) chega ao fim de seu mandato, em 31 de dezembro, após quatro anos de malabarismos nas finanças do Estado. Ao passar o cargo para Eduardo Leite (PSDB), no final da tarde de 1º de janeiro, o governador terá acumulado um déficit de cerca de R$ 10 bilhões. Os servidores do Executivo, com 36 meses de atrasos nos salários, e a saúde pública, refém de dívida média de R$ 500 milhões mensais do Executivo com hospitais e prefeituras, foram a face mais visível da crise.
Confira, a seguir, 12 momentos marcantes da gestão Sartori:
1. Freio nos gastos
Com previsões anuais de déficits bilionários, o governo adotou o chamado orçamento base zero. Durante toda a gestão Sartori, houve congelamento dos gastos com custeio. Os servidores do Executivo não tiveram reajuste salarial nem reposição inflacionária, à exceção da área da segurança, cujos aumentos escalonados até 2018 haviam sido aprovados no governo Tarso Genro. Os três orçamentos enviados à Assembleia previam apenas 3% de aumento nos custos da folha de pagamento, para cobrir o crescimento vegetativo dos gastos.
2. Redução da máquina
No pacote de ajuste fiscal que enviou à Assembleia Legislativa no final de 2016, Sartori aprovou a extinção de nove fundações, duas companhias e uma autarquia. A iniciativa gerou polêmica por abranger a Fundação Piratini, que engloba TVE e FM Cultura, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) e a Fundação Zoobotânica. Uma parte das estruturas foi extinta, mas os servidores estáveis estão trabalhando em outros órgãos. O governador eleito Eduardo Leite (PSDB) já manifestou desejo de reativar a FEE.
3. Lei de Responsabilidade Fiscal
Aprovada no primeiro ano de governo, a medida fez do Rio Grande do Sul o primeiro Estado a ter uma lei própria de responsabilidade fiscal. A iniciativa estipulou regras para o crescimento do gasto público, atrelando as despesas ao incremento das receitas e prevendo punições aos gestores. Quando a arrecadação aumentar, 75% têm de ser destinados a custeio e investimentos e apenas 25% para gasto com salários. A medida também proíbe aumentos ao funcionalismo que ultrapassem sua gestão, sem receita equivalente.
4. Previdência complementar
Com a oposição ausente do plenário em protesto, a Assembleia aprovou a criação da previdência complementar do funcionalismo. A exemplo de outros Estados, a lei limita o pagamento de aposentadorias e pensões ao teto do INSS, atualmente em R$ 5.645,80. Servidores que ingressaram no Estado a partir de agosto de 2016 e desejam aumentar o valor do benefício precisam aderir ao plano complementar. A contribuição extra pode ser de 4,5% ou de 7,5%, com contrapartida idêntica do Estado.
5. Regime de recuperação fiscal
Principal aposta do governo para solucionar a crônica crise financeira do Estado, a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal tornou-se o mote da campanha de Sartori à reeleição. Foram dois anos de negociação com a União, mas esbarrou na dificuldade de o Piratini provar o comprometimento superior a 70% da receita com folha de pessoal e dívida e na recusa à privatização do Banrisul. O acordo suspende o pagamento da dívida por três anos e abre espaço para financiamentos, mas prevê cobrança de juros e um acréscimo bilionário no saldo devedor.
6. Atraso salarial
Jamais um governador atrasou tantas vezes o pagamento do funcionalismo como Sartori. Foram 36 meses de incertezas para o servidores do Executivo, que não sabiam quanto nem quando iriam receber. No começo, os salários eram parcelados. Em agosto de 2017, míseros R$ 350 foram destinados a cada servidor. No mês seguinte, o governo passou a pagar primeiro os menores vencimentos, com faixas escalonadas de depósitos. Em novembro, houve o temido encontro de folhas, com os salários de outubro quitados somente em 30 de novembro.
7. Lentidão nas concessões
Apresentada como prioridade do governo no início de 2016, a nova lei de concessão de estradas foi aprovada pela Assembleia em maio daquele ano, mas até agora nenhuma rodovia foi repassada à iniciativa privada. Na campanha eleitoral, Sartori prometeu concluir as primeiras concessões até o final de 2018, mas agora a previsão é de que o edital com oferta de trechos da RS-287 e da RS-324 só seja lançado em meados do próximo ano. A KPMG, empresa contratada para preparar o edital, tem até fevereiro para apresentar o projeto para discussão pública.
8. Reformulação do IPE
Com mais de 1 milhão de segurados, o IPE foi desmembrado pelo governo em dois órgãos distintos. O IPE Saúde cuida exclusivamente do plano de saúde dos servidores e o IPE Previ, do sistema previdenciário. A criação das duas autarquias foi aprovada pela Assembleia em março, com novas leis para concessão de aposentadorias, pensões e para ingresso e saída do programa de cobertura médico-hospitalar. As medidas asseguraram autonomia administrativa e diretorias independentes, facilitando a gestão.
9. Embate do duodécimo
Uma das duas derrotas de Sartori na Assembleia foi a alteração do cálculo do duodécimo. O Piratini queria adequar a verba mensal dos demais poderes ao volume de recursos que efetivamente entrava nos cofres públicos, e não às receitas fictícias previstas na Lei Orçamentária. Acabou derrotado pelo lobby do Judiciário e Ministério Público sobre os deputados. Durante os quatro anos, somente os servidores do Executivo receberam com atraso. No final do governo, Sartori resistiu à pressão de atrasar também o duodécimo, socializando a penúria.
10. Privatização
Segunda derrota de Sartori na Assembleia, a tentativa de privatizar estatais pautou a segunda metade do governo. No começo, o Piratini tentou retirar da Constituição a exigência de plebiscito à venda de CEEE, Sulgás e CRM. Derrotado, propôs consultar a população, mas o texto sequer foi à votação, rejeitado inclusive por parte da base por orientação do então candidato Eduardo Leite. As privatizações são consideradas fundamentais para a adesão ao regime de recuperação fiscal, embora o Planalto insista mesmo é na venda do Banrisul.
11. Aumento do ICMS
Eleito com a promessa de não elevar impostos, Sartori sucumbiu logo no primeiro ano de governo. No final de 2015, propôs um tarifaço, elevando a alíquota geral do ICMS de 17% para 18%, de 25% para 30% a cobrança sobre combustíveis, energia e telefonia, bem como ampliando as tarifas sobre TV a cabo, cigarros, bebidas e cosméticos. Pressionado pelos deputados, o aumento ficou limitados aos três anos da atual gestão. A estimativa era o ingresso de R$ 1,9 bilhão na receita já em 2016. Se mantidas as atuais alíquotas, o valor sobe para R$ 3 bilhões anuais.
12. Dívida na saúde
Um dos setores mais sensíveis do serviço público, a saúde chegou a acumular pendências de R$ 885 milhões. Este era o valor devido pelo governo do Estado para prefeituras e hospitais filantrópicos no início de dezembro. A crise provocou restrições no atendimento de pelo menos 30 hospitais de 28 municípios do interior do Rio Grande do Sul. Os atrasos persistem desde o governo Tarso Genro (PT) e boa parte da dívida ficará para a gestão de Leite.