Eram quase 3h de 23 de dezembro de 2016 e a Assembleia estava prestes a votar a mudança no cálculo do duodécimo, reduzindo os repasses para Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Defensoria e Tribunal de Contas. Diante da derrota iminente, deputados governistas queriam esvaziar o plenário, adiando a votação.
Do Palácio Piratini veio a ordem do governador José Ivo Sartori:
— É para votar, mesmo que seja para perder.
O episódio simboliza um dos momentos mais tensos da gestão que se encerra em 31 de dezembro. Em paralelo com a segurança pública, o ajuste fiscal foi a principal preocupação de Sartori nos quatro anos de governo. Ao entrar em rota de colisão com os demais poderes, o governador tentava aprovar medida que economizaria em torno de R$ 600 milhões anuais aos cofres públicos.
Sartori perdeu, ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabou capitulando. Pesou a necessidade de convívio amistoso com o Judiciário. Afinal, um acordo informal entre os poderes permitia à Secretaria da Fazenda fazer saques quase todos os meses nas contas do Tribunal de Justiça (TJ) para quitar débitos urgentes do Executivo. Passada a emergência, o governo devolvia os valores.
Foi assim, fazendo malabarismos para tentar encaixar as despesas dentro das receitas, que Sartori ocupou a maior parte do tempo em que deu expediente no Palácio Piratini. Ao passar o cargo para Eduardo Leite (PSDB), no final da tarde de 1º de janeiro, o governador terá acumulado um déficit de cerca de R$ 10 bilhões. Os servidores do Executivo, com 36 meses de atrasos nos salários, e a saúde pública, refém de dívida média de R$ 500 milhões mensais do Executivo com hospitais e prefeituras, foram a face mais visível da crise.
O aperto nos gastos começou no primeiro dia de trabalho. Em 2 de janeiro de 2015, Sartori suspende pagamentos, nomeações, diárias, viagens e horas-extras. De pouco adianta. Sem dinheiro, o governo passa a pedalar a dívida com a União e a parcelar salários. Em agosto, propõe um tarifaço no ICMS e a extinção das primeiras fundações.
— As condições são escassas e não há muita margem para fazer mudanças de maior impacto. Mas a marca do governo Sartori foi essa: a extinção de fundações e o atraso nos salários. Faltou um projeto de desenvolvimento econômico — analisa o cientista político Gustavo Grohmann, professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS.
Duodécimo e privatizações são derrotas da gestão
Somente no primeiro ano, o programa de ajuste fiscal teve seis fases. O pacote principal viria em 2016, após a penúria levar o governador a decretar calamidade financeira. Com mais de 40 medidas, o plano enviado à Assembleia prevê redução da máquina estatal, aumento da alíquota de previdência dos servidores, criação de regime complementar de aposentadorias, corte nas isenções fiscais, extinção de benefícios e retirada da exigência de plebiscito para privatização da CEEE, CRM e Sulgás. Ao final da mais exaustiva votação de pacote de medidas da história do Legislativo, o governo enfileirou 14 vitórias sucessivas, mas o êxito acabou ofuscado pelo fracasso na mudança do duodécimo.
Sem conseguir diminuir os gastos, o Piratini começou a discutir a renegociação da dívida com a União. Uma das condições era justamente a privatização das estatais. O tema voltou à Assembleia em 2017 e 2018, mas, apesar de o governo ter maioria na Casa, não houve avanços. Na contabilidade legislativa da Casa Civil, o governo Sartori enviou 342 projetos para análise dos deputados em quatro anos de mandato. Houve apenas duas derrotas: o duodécimo e as privatizações.
— A grande dificuldade é Judiciário e Legislativo entenderem que precisam compartilhar o esforço. Não se resolve a situação fiscal em quatro anos, mas é preciso união de esforços. Sartori deixa dois grandes legados: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a previdência complementar. São medidas importantes e difíceis de serem aprovadas. Ele conseguiu — avalia o economista Lucas Schifino, gerente da assessoria parlamentar da Fecomércio.