Havia um homem que queria Michel Temer na Presidência do Brasil – e esse homem era Michel Temer. Desafortunadamente para as dezenas de milhões de brasileiros que o criticaram de uma ponta à outra do mandato, fazendo dele o mais rejeitado de todos os ocupantes que o Palácio do Planalto já teve desde 1994, tal indivíduo encontrava-se na melhor das condições para realizar seu sonho. Não, não era popular. Não tinha voto. Não inflamava multidões com memoráveis discursos. Não emanava carisma. Não encarnava os anseios de um povo. O que ele tinha – como antes dele José Sarney, Itamar Franco ou João Goulart – era a circunstância de ser o segundo da lista, o vice.
O primeiro sinal de que esse homem perseguia seu sonho – a Presidência não lhe caiu ao colo por motivos alheios à vontade, como no caso dos outros três nomes citados – veio em uma quarta-feira, 5 de agosto de 2015, apenas sete meses depois da posse de Dilma Rousseff (PT). Em pronunciamento no qual afirmou que a situação econômica era grave (o Brasil estava mergulhado numa de suas piores crises) e que havia crise política se ensaiando, Temer lançou a indireta, chacoalhando de nervosismo:
– É preciso alguém com capacidade de unir a todos.
Era a senha para a queda de uma presidente com alta rejeição popular e que enfrentava um Congresso cada vez mais hostil para o advento de uma nova gestão, que duraria dois anos e oito meses e que termina daqui a uma semana, marcada por altos e baixos. Ao mesmo tempo que implementou medidas consideradas avançadas pelo mercado, como um rigoroso ajuste fiscal e a aprovação da reforma trabalhista, também enfrentou gritos de “Fora Temer”, alta impopularidade e a frustrada tentativa de aprovar a reforma da Previdência.
Menos de três semanas depois do 5 de agosto, Temer deu mais um lance no seu jogo dos tronos. Anunciou que renunciava ao cargo de articulador político de Dilma, escancarando o distanciamento com o governo, e começou a tricotar com oposicionistas.
No mês seguinte, quando o MDB teve direito a programa no rádio e na TV, ele apareceu em destaque, adotando o tom de estadista em potencial. “É hora de virar esse jogo” e “deixar o estrelismo de lado”, veiculou, sem rodeios, o partido supostamente governista.
O terceiro ato foi encenado em 2 de dezembro. O então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), correligionário e dileto amigo, anunciou que aceitava pedido de abertura de processo de impeachment contra Dilma.
Quase em sincronia, foi vazada para a imprensa uma carta de Temer endereçada a Dilma, na qual ele alargava ainda mais o fosso que o afastava da mandatária. Em tom lamuriento, dizia que havia sido empurrado para a condição de “vice decorativo” e acrescentava: “Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao MDB”.
No começo do ano seguinte, ocorreria a famosa conversa (revelada meses depois) entre o então ministro do Planejamento, Romero Jucá (MDB-RR), do círculo mais íntimo de Temer, e o ex-presidente da Transpetro Sergio Machado. Eles tratavam da necessidade de articulação para derrubar Dilma e, assim, frear a Operação Lava-Jato.
– Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel... É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional – afirmou Machado.
– Com Supremo, com tudo – respondeu Jucá.
– Com tudo, aí parava tudo – concordou Machado.
– É, delimitava onde está – avaliou o ministro.
E assim, em 12 de maio de 2016, menos de um ano depois de dar o primeiro peteleco na casa de cartas, Temer virou presidente interino (o que se consumou pela abertura do processo de impeachment no Senado). Em 31 de agosto, sacramentada a queda de Dilma, foi efetivado.
Mas a habilidade que demonstrara para chegar ao poder desapareceu, como por encanto, no exercício do poder propriamente dito. A primeira polêmica foi a formação do ministério. Presidente de um país em que mulheres e negros são a maioria da população, ele realizou a façanha de anunciar uma equipe formada exclusivamente por homens brancos.
O ministério tinha o próprio Jucá, que caiu depois de duas semanas de governo, implicado na Operação Lava-Jato. E mais Fabiano Silveira (18 dias no cargo, derrubado pela Lava-Jato), Henrique Alves (um mês e quatro dias, Lava-Jato), Geddel Vieira Lima (cinco meses, derrubado por denúncia feita por um colega de ministério e depois preso quando a polícia encontrou R$ 51 milhões em imóvel ligado a ele) e Bruno Araújo (um ano e seis meses, Lava-Jato). Em nove meses, oito ministros escolhidos por Temer já haviam deixado o governo. Dos ungidos por ele, ao menos 13 estavam sendo investigados pela Operação da PF.
A partir de maio de 2017, o próprio presidente viu-se enredado com a Justiça. No começo da noite do dia 17 daquele mês, vieram a público informações sobre uma conversa entre Temer e Joesley Batista, um dos donos da JBS. Era o início de uma crise política que pautaria o governo pelas próximas semanas. Dois meses antes, em 7 de março, Joesley havia visitado o Palácio do Jaburu secretamente para encontrar Temer. Tinha um gravador escondido, que registrou 40 minutos de um diálogo. O plano do empresário era utilizar a gravação como trunfo em uma delação premiada que pretendia negociar com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
A primeira notícia sobre o teor da gravação, publicada pelo jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, dizia que Temer dera a Joesley aval para comprar o silêncio do agora ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso por envolvimento na Operação Lava-Jato.
As sessões do Congresso foram encerradas quase imediatamente, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), correu ao Palácio do Planalto para encontro de emergência com Temer, que já havia interrompido sua presidencial rotina para trabalhar na arte pragmática da contenção de danos. Enquanto isso, detalhes sobre a gravação começavam a se avolumar. Os brasileiros souberam que, ainda no começo da conversa com o presidente, Joesley afirmara estar remetendo dinheiro a Cunha, para que ele não entregasse nenhum nome suspeito de participar de esquema de corrupção. É então que Temer pronuncia a frase polêmica, desprovida de volteios ou mesóclises, pela qual sempre será lembrado:
– Tem que manter isso, viu?
Em outro trecho da conversa, Joesley pede a Temer ajuda para resolver pendências de suas empresas junto ao governo. O presidente indica o então deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), seu homem de confiança, para ajudá-lo.
– Posso falar tudo com ele? – questiona Joesley.
– Tudo – responde Temer.
O Brasil também soube naquela na noite de 17 de maio que, nos dois meses entre a conversa e sua divulgação, Joesley, sob monitoramento da Polícia Federal (PF), encontrou Rocha Loures, pediu ajuda em situação envolvendo uma termelétrica que havia comprado e acertou propina de mais de R$ 400 milhões, a ser paga em parcelas mensais, ao longo de duas décadas. A PF havia filmado a entrega ao então deputado, em uma pizzaria, da mala com a primeira parte da propina – que supostamente teria Temer como destinatário final.
Temer reagiu três horas depois da divulgação do escândalo, às 22h30min, por meio de nota sucinta, garantindo que “jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio de Cunha” e que “não houve no diálogo (com Joesley) nada que comprometesse”. Naquele momento, manifestações de rua já haviam se alastrado pelo país, e acreditava-se que a permanência de Temer no Planalto estava por um fio.
Mas ele demonstrou que não alcançara seu sonho para abrir mão dele sem luta – ainda que esse sonho contrariasse um país inteiro, que a bolsa despencasse, que o dólar disparasse, que a credibilidade para governar estivesse fragilizada. Às 16h do dia 18, depois de incontáveis adiamentos, ele finalmente apareceu para pronunciamento. Diante da TV, o Brasil estava na expectativa de um possível pedido de renúncia – que não veio:
Apesar da tormenta, Temer segurou a pressão no Congresso e nas ruas e conseguiu sobreviver. Resistiu a duas denúncias de corrupção por parte da PGR (a Câmara decidiu impedir que ele fosse considerado réu antes de o mandato se encerrar) e a um indiciamento da PF referente a irregularidades em um decreto para o setor portuário que, na semana passada, culminou em nova denúncia da Procuradoria, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Já é a terceira denúncia formal contra o presidente.
Temer também sobreviveu a taxas de impopularidade históricas. A mais recente pesquisa CNI-Ibope, divulgada no dia 13, mostra que 74% dos entrevistados consideram ruim ou péssima a sua administração, 18% como regular e 5% como ótima ou boa. Apesar de ser ainda alto, o percentual de rejeição ao governo caiu na comparação com setembro, quando o índice era de 82%.
A impopularidade que acompanhou Temer ao longo de seu mandato acabou se refletindo nestas eleições. Antigos aliados evitaram associar a sua imagem à do presidente. Temer praticamente ficou esquecido nos quase dois meses de campanha. Nem mesmo Henrique Meirelles, que deixara o Ministério da Fazenda para concorrer à Presidência e que se lançou pelo MDB, o partido do presidente.
Por mais que tenha tentado esconder Temer na campanha, Meirelles fez 1,2% dos votos, menos do que o folclórico Cabo Daciolo (Patriota). É possível comparar a situação com a do único outro presidente que chegou ao Planalto por causa de um impeachment: Itamar Franco também lançou a candidatura do próprio ministro da Fazenda (Fernando Henrique Cardoso), com a diferença de que conseguiu fazer o sucessor.
Apesar da rejeição e das denúncias, Temer pareceu chegar ao fim do mandato banhado em bom humor. Na semana passada, fez a última reunião com a equipe de governo, no Palácio do Planalto. Em um discurso de 40 minutos, recapitulou os momentos difíceis da sua gestão, como a delação de Joesley, a greve de caminhoneiros que convulsionou o país no final de maio, as manifestações contra seu governo, as supostas tentativas da imprensa para derrubá-lo.
Também celebrou o que considera grandes conquistas, como a aprovação da reforma trabalhista, sinais de melhora na economia, a adoção de um teto de despesas e a avaliação positiva de seu governo por parte do “mercado”. Em referência ao dito de que, em fim de mandato, o presidente está tão desprovido de poder que até o café vem frio, brincou que ia pedir um cafezinho para mostrar que o dele estava quente. E abriu o coração, em tom sentimental:
– Até vou sentir muita falta do “Fora Temer”. Quando falavam “fora” era porque eu estava dentro.