Com milhares de credores na fila, a dívida do Estado com precatórios voltou a crescer e a bater recorde. Incluindo novos títulos já registrados no orçamento de 2019, o passivo atingiu a marca de R$ 15,1 bilhões – 3,7 vezes mais do que o orçado para a saúde em 2019. Em termos reais (descontada a inflação), a cifra avançou 19,3% em relação a 2017 e é mais um motivo de preocupação para o governador eleito Eduardo Leite (PSDB).
Para pressionar o Palácio Piratini a reforçar os aportes e garantir que a conta seja zerada até 2024 – como prevê a emenda constitucional nº 99, de 2017 –, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJ), Carlos Eduardo Zietlow Duro, decidiu recusar o plano de pagamento apresentado pela atual gestão para o próximo ano.
Se até janeiro o impasse não for resolvido, o Judiciário poderá sequestrar verbas dos cofres estaduais para esse fim – correndo o risco de encontrar as contas raspadas em razão do agravamento da crise financeira. A administração de José Ivo Sartori (MDB) deve ser concluída com os salários dos servidores atrasados e o 13º parcelado.
Repasses mensais teriam de quintuplicar, avalia TJ
Em razão do cenário de calamidade, o governo propôs manter os repasses mensais em 1,5% da receita corrente líquida (RCL), como vem sendo feito desde 2010. O problema é que o valor equivalente (cerca de R$ 40 milhões ao mês) é insuficiente para quitar o débito no prazo estipulado.
Segundo cálculos da Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios do TJ, coordenada pela juíza Alessandra Bertoluci, as transferências deveriam, no mínimo, quintuplicar para atingir o objetivo.
– O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que os presidentes dos TJs podem ser responsabilizados se os planos de pagamento não estiverem de acordo, e o desembargador Duro entende que a decisão precisa ser cumprida. Não só por essa exigência, mas por se tratar de um dever. Sabemos das dificuldades do Estado, mas não podemos esquecer que por trás dos precatórios existem pessoas – diz a magistrada.
PGE afirma que piratini faz o que pode diante da crise
A dívida cresceu mesmo após o governo ter adotado medidas para reduzir a fatura, com a instalação da Câmara de Conciliação e a criação do programa Compensa-RS . Em ambos os casos, dois motivos contribuíram para o aumento do saldo: a correção dos valores, prevista por lei, e a redução do teto das Requisições de Pequeno Valor (RPVs) de 40 para 10 salários mínimos.
Traduzindo: desde 2015, sempre que alguém ganha uma ação contra o Estado e o valor a ser recebido fica abaixo de 10 salários, esse crédito vira RPV. Se fica acima, se torna precatório. Na prática, a mudança vem contribuindo para engrossar a fila de precatoristas, mais longa e demorada.
Na Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a avaliação é de que o governo está fazendo o que pode para enfrentar a situação. Procuradora-geral adjunta para assuntos institucionais, Ana Cristina Tópor Beck sustenta que todas as ações determinadas pela emenda nº 99 estão em curso e que não há como ampliar os repasses – vale lembrar que as remunerações do Executivo somam 35 meses de parcelamentos e há uma série de pendências, inclusive com hospitais e prefeituras.
A procuradora lembra ainda que a emenda nº 99 determina a abertura de linha de crédito especial, por parte da União, para ajudar os Estados a liquidarem a dívida até 2024. Até agora o governo federal não cumpriu a deliberação, que pode ser a saída para o Rio Grande do Sul.
– Infelizmente, o Estado não tem como aportar mais recursos. Existe impossibilidade material de cumprir e exigência do TJ. Além disso, entendemos que o plano de pagamento está de acordo com a Constituição. Na nossa avaliação, ainda há espaço para conversa e para construirmos uma solução com o Judiciário, que sempre esteve aberto ao diálogo – afirma a procuradora.
O QUE SÃO PRECATÓRIOS
São dívidas do poder público resultantes de ações judiciais superiores a 10 salários mínimos (R$ 9,54 mil). No caso do Rio Grande do Sul, decorrem principalmente de questões salariais (envolvendo servidores ativos, inativos e pensionistas), desapropriações e cobranças indevidas de impostos.
A FILA
56.963 é o número de precatórios que aguardam para serem pagos pelo governo gaúcho.
COMO FUNCIONA O PAGAMENTO
O valor repassado mensalmente pelo Estado (cerca de R$ 40 milhões) é dividido da seguinte forma:
1) Por ordem cronológica
A quitação é feita pela ordem de apresentação do título, isto é, do mais antigo ao mais novo. Os credores idosos, com doenças graves ou deficiência podem pedir o pagamento de parcela preferencial, no caso de precatórios de natureza alimentar (situações envolvendo pensões e salários). Em novembro, o Tribunal de Justiça conseguiu colocar em dia a quitação das “superpreferências”, destinadas a credores com mais de 80 anos e enfermidades severas.
2) Por meio da conciliação
O pagamento se dá via acordo, com redução de 40% no valor atualizado dos títulos. Essa modalidade começou com a criação da Câmara de Conciliação de Precatórios, em 2015. Desde então, os titulares são chamados na ordem cronológica para negociar com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Podem aceitar ou permanecer na fila, à espera do valor integral.