Há mais de três décadas, os vizinhos Sadi Domingos Gobatto, 80 anos, Vito Gobbo, 75 anos, e seus dois irmãos, Sergio, 68 anos, e Dorvalino, 72 anos, tiveram os parreirais cortados ao meio pela Rota do Sol (RS-453), entre Garibaldi e Carlos Barbosa, na Serra. Para garantir indenização do Estado, os quatro ingressaram na fila dos precatórios – e se tornaram personagens da reportagem Uma longa espera, publicada em 2015, por Zero Hora.
De lá para cá, Vito vendeu um de seus títulos por 37% do valor original, Sergio aguarda a conclusão de acordo com o Estado e os outros dois continuam sem perspectivas de pagamento.
Com milhares de credores na fila, a dívida do Estado com precatórios voltou a crescer e a bater recorde. Incluindo novos títulos já registrados no orçamento de 2019, o passivo atingiu a marca de R$ 15,1 bilhões – 3,7 vezes mais do que o orçado para a saúde em 2019. Em termos reais (descontada a inflação), a cifra avançou 19,3% em relação a 2017 e é mais um motivo de preocupação para o governador eleito Eduardo Leite (PSDB).
Cansado da demora, Vito decidiu aceitar a oferta de uma empresa interessada em usar papéis do tipo para abater dívidas tributárias. A operação é permitida por lei desde abril deste ano, por meio do Compensa-RS. Em geral, isso se dá por intermédio de escritórios de advocacia, que procuram precatoristas para negociar. O desânimo e a urgência levam muitos a ceder, ainda que perdendo dinheiro.
Homem simples, talhado na lida dos parreirais, o aposentado não menciona os detalhes do negócio, fechado no mês passado. O temor de morrer sem nada receber falou mais alto. Vito ainda tem um segundo precatório, herdado do pai e compartilhado com os irmãos, que permanece na fila.
– Mesmo ganhando menos, achei melhor vender para repartir o dinheiro com a mulher e os três filhos. A gente não sabe o que pode acontecer, né?
Uma filha quer aumentar a família e precisa fazer um puxadinho na casa. Não quis esperar mais – conta o aposentado.
Esperança mantida apesar da demora
Dos quatro, Sergio foi o único, até agora, a ser convocado pela Câmara de Conciliação para negociar. Apesar do desconto de 40% no pagamento, o caminhoneiro aceitou conversar e aguarda o andamento do processo.
Sem sinais de solução no curto prazo, Dorvalino e Gobatto não escondem a frustração, mas relutam em perder a fé.
– Estou meio ruim, meio brabo. Mas fazer o quê? A esperança não perdi, só não acredito que vou receber tão cedo – desabafa Gobatto.
Dorvalino gostaria de bancar implante dentário completo para a companheira. Calcula que o serviço sairia “por uns R$ 20 mil”, recurso do qual não dispõe.
– A esperança é a última que morre. O jeito é esperar mais um pouco – resigna-se.
O QUE SÃO PRECATÓRIOS
São dívidas do poder público resultantes de ações judiciais superiores a 10 salários mínimos (R$ 9,54 mil). No caso do Rio Grande do Sul, decorrem principalmente de questões salariais (envolvendo servidores ativos, inativos e pensionistas), desapropriações e cobranças indevidas de impostos.
A FILA
56.963 é o número de precatórios que aguardam para serem pagos pelo governo gaúcho.
COMO FUNCIONA O PAGAMENTO
O valor repassado mensalmente pelo Estado (cerca de R$ 40 milhões) é dividido da seguinte forma:
1) Por ordem cronológica
A quitação é feita pela ordem de apresentação do título, isto é, do mais antigo ao mais novo. Os credores idosos, com doenças graves ou deficiência podem pedir o pagamento de parcela preferencial, no caso de precatórios de natureza alimentar (situações envolvendo pensões e salários). Em novembro, o Tribunal de Justiça conseguiu colocar em dia a quitação das “superpreferências”, destinadas a credores com mais de 80 anos e enfermidades severas.
2) Por meio da conciliação
O pagamento se dá via acordo, com redução de 40% no valor atualizado dos títulos. Essa modalidade começou com a criação da Câmara de Conciliação de Precatórios, em 2015. Desde então, os titulares são chamados na ordem cronológica para negociar com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Podem aceitar ou permanecer na fila, à espera do valor integral.