A partir de 1º de janeiro de 2019, após transferir a faixa presidencial ao novo mandatário e descer pela última vez a rampa do Palácio do Planalto, Michel Temer sofrerá uma substancial mudança de rotina. Longe do poder e desprovido do foro privilegiado, o futuro ex-presidente trocará as audiências políticas no principal gabinete do país pelas audiências judiciais nos fóruns de Brasília e São Paulo.
Alvo de três denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) e indiciado em outro inquérito, Temer é acusado de corrupção passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.
A lista de crimes imputados é o corolário do mandato que nasceu da indignação popular mas se encerra sob cerco da Polícia Federal (PF).
— Vai ser uma luta para não ser preso — resume um observador da agenda palaciana.
Com o fim do mandato, os processos contra Temer sairão do Supremo Tribunal Federal (STF) para a primeira instância da Justiça Federal. Em geral, juízes de primeiro grau são considerados mais impetuosos do que ministros do STF, tidos como ciosos com altas autoridades. O risco de prisão não é tão iminente, ainda que as apurações estejam concluídas. A hipótese, embora não possa ser descartada, depende de iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e é mais provável se houver condenação em segunda instância.
Ao concluir o inquérito dos portos, a PF pediu o bloqueio de bens do presidente, mas evitou medida restritiva de liberdade. Outros quatro indiciados — João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, amigo de Temer, Carlos Alberto Costa, sócio dele, Maria Rita Fratezi, mulher de Lima, e Almir Martins Ferreira, contador do militar reformado – não tiveram a mesma sorte. Relator do caso, o ministro do STF Luís Roberto Barroso irá aguardar manifestação do MPF, mas já proibiu os quatro de deixar o país.
Contra Temer, há graves indícios. Nas duas denúncias apresentadas pela PGR, existe a mala de dinheiro entregue ao ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) e a gravação do presidente supostamente orientando o empresário Joesley Batista, da JBS, a comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ).
No inquérito da Odebrecht, Temer admite ter pedido contribuição do empreiteiro Marcelo Odebrecht para campanhas e a PF rastreou o caminho do dinheiro. Na apuração sobre o setor portuário, foram incluídos registros de doações eleitorais e pagamentos das empresas supostamente beneficiadas ao coronel Lima. Temer teria recebido R$ 5,9 milhões em propina.
Dificuldades até para manter comando do MDB
A despeito das suspeitas, Temer pretende recuperar seu capital político. A hipótese antes ventilada de assumir alguma embaixada no futuro governo, sobretudo para manter o foro privilegiado, se extinguiu com um segundo turno pelo Planalto disputado por Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), ambos seus desafetos. A alternativa mais concreta é retomar a presidência do MDB, da qual está afastado desde a posse, e tentar influenciar os rumos do partido.
Até isso, porém, será difícil, depois que seu grupo dentro da sigla foi praticamente exterminado. Alguns estão presos (Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima), outros encrencados com a Justiça (os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, de Minas e Energia) ou não renovaram mandato (os senadores Romero Jucá e Eunício Oliveira). Nos bastidores, já há movimento para que algum político moderado e com fácil trânsito entre partidos acabe guindado ao comando do MDB.
Poucas vezes um fim de governo foi tão melancólico. Nos últimos dias de sua gestão, isolado e ostentando recorde impopularidade, Temer quase não teve agenda pública, foi ignorado pelos aliados na campanha eleitoral e viu sua bancada na Câmara minguar para 34 deputados, a menor desde o fim da ditadura. Nenhum outro partido perdeu tantos parlamentares.
Um experiente quadro da legenda diagnostica o cenário sombrio:
— Era um governo que tinha tudo para dar certo e deu tudo errado. O MDB, se quiser sobreviver agora, precisa se livrar de Temer.
Estratégia da defesa
Um dia após o indiciamento no inquérito dos portos, Michel Temer evitou comentar o caso e procurou manter a aparência de normalidade na rotina do governo que caminhava para o final. Em solenidade no Palácio do Planalto para entrega da Ordem Nacional do Mérito Científico, o presidente não comentou as acusações e discursou sobre medidas de ajuste fiscal de sua gestão:
— A irresponsabilidade do presente sempre se paga no futuro, e com juros.
No campo jurídico, porém, a defesa do presidente partiu para o contra-ataque. Advogados de Temer protocolaram manifestação no processo, no Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a Polícia Federal (PF) não teria competência para indiciar autoridades com foro privilegiado e pediu a anulação dos atos, classificados como "ilegais". Em um dos trechos, a defesa sustenta que o presidente "não praticou qualquer dos delitos que lhe foram atribuídos". O pedido, no entanto, não teve êxito, e a PGR apresentou denúncia contra o presidente.
Apesar da reação, o dia trouxe notícia de outro revés para Temer. No relatório ao STF, a PF também pediu abertura de novo inquérito contra o presidente, por suspeita de recebimento de R$ 1,1 milhão de propina, por meio de empresa de João Baptista Lima Filho, o coronel Lima. O valor viria de acerto para que o amigo do presidente tenha subcontratado para obras na Eletronuclear a Engevix.
A acusação consta em delação à PF feita por José Antunes Sobrinho, sócio da empreiteira.