O mesmo grupo do Supremo Tribunal Federal (STF) que impôs um dos maiores abalos à carreira política de Aécio Neves (PSDB-MG), quando determinou seu afastamento do mandato e recolhimento noturno no ano passado, poderá transformar em réu o senador. A sessão desta terça-feira (17) da 1ª Turma da Corte vai analisar a denúncia, por corrupção passiva e obstrução da Justiça, oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em junho de 2017, baseada na delação da JBS.
Aécio foi gravado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, um dos donos da empresa, para pagar despesas com sua defesa na Lava-Jato. Ficou acertado que o valor seria repassado em quatro parcelas de R$ 500 mil. As três últimas entregas foram registradas em vídeo pela Polícia Federal (PF).
Também são acusados de corrupção passiva Andrea Neves, irmã do senador, e Frederico Pacheco de Medeiros, o Fred, primo deles, além de Mendherson Souza Lima, ex-assessor do senador Zezé Perrella (PMDB-MG).
Andreia teria sido a responsável por intermediar os contatos com Joesley, Fred foi filmado recebendo as malas de dinheiro, e Lima transportou o dinheiro de São Paulo para Minas Gerais em viagens de carro – segundo a PGR, os valores foram parar na conta da empresa de um filho de Perrela.
Em artigo publicado nesta segunda-feira no jornal Folha de S.Paulo, Aécio afirma que foi alvo de conversa "criminosamente gravada e induzida" por Joesley.
— Fui ingênuo, cometi erros e me penitencio diariamente por eles. Mas não cometi nenhuma ilegalidade — afirma em trecho do texto.
A PGR sustenta que o indício de ilegalidade nos repasses de Joesley é corroborado por fala do próprio Aécio no áudio interceptado pela PF. Ao indicar o primo como emissário para receber o dinheiro, o mineiro disse que deveria ser para alguém "que a gente mata ele antes de fazer delação". A falta de recibo formal para o negócio também é destacada pelos procuradores.
O senador, que por dois mandatos seguidos (2003-2010) foi governador de Minas Gerais, ainda é acusado de tentar atrapalhar a Lava-Jato, a partir da articulação do projeto de lei do abuso de autoridade – que previa limitações na atuação de investigadores e juízes – e apoio à proposta de anistia a crimes de caixa 2. Na gravação da conversa com Joesley, o mineiro também relatou pressão sobre membros do governo e da PF para indicar delegados aprovados por ele para conduzir inquéritos.
Nesta segunda, o tucano concedeu coletiva de imprensa acompanhado de advogados que protocolaram no STF petição para ter acesso, antes da apreciação da denúncia, às provas da apuração sobre a anulação do acordo de delação da JBS por omissão de informações. A intenção é provocar o adiamento do julgamento desta terça.
Caso a acusação contra o tucano seja aceita, uma ação penal será aberta contra o senador, cuja defesa pode recorrer. Se a acusação for rejeitada por falta de informações, a PGR poderá ampliar a narração dos fatos. Se houver o entendimento de que não há delito, o caso é encerrado. Também cabe recurso por parte da procuradoria neste caso.
Denúncia assinada por Janot
A denúncia contra Aécio foi apresentada em junho do ano passado, assinada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Antes, em 17 de maio, o senador foi afastado do mandato pelo ministro Edson Fachin, após a Operação Patmos.
Passados 46 dias, após a transferência da relatoria do processo para o ministro Marco Aurélio Mello, o mineiro foi reconduzido ao cargo. Na ocasião, Marco Aurélio afirmou que o parlamentar tinha "carreira política elogiável".
Em 26 de setembro, em votação polêmica na 1ª Turma do STF, Aécio foi novamente afastado do Senado e impedido de sair de casa à noite. Defensor da tese, o ministro Luiz Fux fez duras críticas, dizendo que a atitude mais elogiosa de Aécio seria a de se afastar do mandato. Na ocasião, ele teve o voto acompanhado pelos colegas Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Favoráveis ao tucano, ficaram vencidos Marco Aurélio e Alexandre de Moraes.
A decisão levou a uma crise institucional entre o STF e o Senado. O caso foi parar no plenário da Corte para definir qual poder tem a palavra final sobre afastar um parlamentar do mandato. Por 6 votos a 5, com voto decisivo da presidente do tribunal, ministra Cármem Lúcia, que dias antes havia se empenhado em intensas negociações nos bastidores, os magistrados determinaram que cabe ao Congresso a medida. Na sessão seguinte à decisão, o Senado derrubou a ordem da 1ª Turma sob a justificativa de que o afastamento do tucano configuraria condenação sem julgamento.
Hoje, o caso volta ao Supremo com tudo para marcar a história e o futuro de Aécio. O neto de Tancredo Neves, que antes sonhava em ocupar o posto conquistado e não exercido pelo avô e agora se apega a pretensões eleitorais bem mais modestas, pode ver maculado de forma definitiva o capital político que lhe resta.
O que diz a defesa de Aécio Neves
A defesa do senador tenta anular as provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) alegando que a colaboração premiada da JBS teria sido orientada para incriminá-lo. Citam que o ex-procurador da República Marcelo Miller pediu exoneração do Ministério Público Federal (MPF) e, antes que o desligamento fosse formalizado, passou a trabalhar no escritório de advocacia responsável por negociar o acordo de delação. Miller virou alvo de inquérito que corre sob sigilo no MPF.
A defesa de Aécio menciona ainda o pedido da PGR para anulação dos benefícios aos delatores da JBS, em razão de omissão de informações, e cobra acesso às provas já produzidas na apuração sobre irregularidades na delação. Afirma que tal acesso já foi concedido a Miller e a Joesley Batista.
O advogado de Aécio, Alberto Zacharias Toron, sustenta que os valores repassados pelo empresário referem-se a "empréstimo privado que não envolveu recurso público ou qualquer contrapartida".