Em sua primeira aparição pública após ter mandado prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz Sergio Moro abriu, na manhã desta terça-feira (10), as palestras da área VIP do Fórum da Liberdade, em Porto Alegre. Durante a fala de pouco mais de 20 minutos, tangenciou a prisão do final de semana e elogiou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do habeas corpus de Lula, evitando, porém, citar diretamente o petista. E foi ovacionado do começo ao fim.
— Na semana passada, o Supremo proferiu uma decisão muito importante. Não me refiro ao caso concreto do ex-presidente. O que o Supremo manteve mais uma vez foi o apego ao princípio de que a presunção de inocência não pode servir como garantia de impunidade aos poderosos — proferiu Moro, sendo aplaudido efusivamente pela plateia restrita, que pagou mais caro para ter acesso ao prédio 40 da PUCRS.
— Moro, Moro! — gritaram, ainda, alguns dos cerca de 500 ouvintes, na maioria formada por empresários, público-alvo do Fórum da Liberdade.
O juiz federal citou nominalmente a ministra Rosa Weber, afirmando que ela proferiu o "voto mais interessante" no julgamento do processo de Lula, considerado o decisivo para a rejeição do habeas corpus pedido pela defesa do ex-presidente.
— O Supremo passou a mensagem de que não se pode mudar critérios segundo muda o acusado ou sem que haja uma razão relevante para mudança da jurisprudência. Isso é segurança jurídica, isso é essencialmente importante para termos instituições fortes e que tenhamos um governo de lei e não de situações especiais — disse Moro.
Durante o julgamento do habeas corpus de Lula, Rosa Weber afirmou que, apesar de sua posição pessoal contrária à execução da pena após condenação em segunda instância, respeitaria a jurisprudência formada pela Corte em 2016. Com isso, deixou margem para interpretações de que poderia dar outro voto se o julgamento fosse a respeito da revisão geral da regra. Há a expectativa de que o STF retome a discussão sobre o tema na sessão desta quarta-feira (11).
Ao elogiar a ministra, com quem ja trabalhou no passado, Moro ressaltou o fato de que Rosa Weber "não fala com a imprensa":
— No fundo ela está certa e a maioria errada, inclusive eu.
Quando respondia a uma questão do mediador, o juiz aproveitou para defender a publicidade dos processos, principalmente os relativos à corrupção, defendendo-se em seguida:
— Há uma diferença entre vazamento e publicidade. Vazamento é ilegal. O que eu fiz em todos os casos foi deixar o sigilo legal levantado. Acredito que, abrindo os processos e as provas, as pessoas podem emitir seus próprios julgamentos — ponderou Moro, confirmando que ocorreram vazamentos durante o processo da Lava-Jato.
— Vazamentos ocorreram, mas não sou o autor deles — disse, sem citar nenhum caso específico.
Ao longo da palestra, Moro argumentou, ainda, que os processos que envolvem corrupção, principalmente, não podem esperar o trânsito em julgado, sob risco de prescrição.
— Vi muitos processos na minha mão com provas robustas de crimes graves que viraram pó por conta da possibilidade de recorrer por décadas até as cortes superiores — afirmou, sendo novamente aplaudido pela plateia.
Em diversos momentos, o magistrado defendeu a importância de combater a impunidade para diminuir a corrupção, que é "sistêmica" no Brasil, conforme ele, e que a Lava-Jato não vai resolver todos os problemas do país. Nesse sentido, destacou o papel do empresariado, que "pode fazer uma grande diferença ao dizer não para propinas".
Foi aplaudido de pé pela plateia ao final da palestra. Assim como entrou no auditório, saiu sem falar com a imprensa, dar autógrafos ou ser visto pelo público.
A inspiração italiana
Além de Moro, participou da palestra desta manhã o ex-promotor italiano Antonio Di Pietro, responsável pela Operação Mãos Limpas. Moro elogiou o trabalho no qual diz se inspirar e ouviu os conselhos proferidos pelo colega.
Di Pietro focou sua fala na comparação entre o que ocorreu na Itália após sua intervenção na década de 1990. Segundo o ex-promotor, a operação provocou profundas mudanças no quadro partidário, com o desaparecimento de vários partidos políticos, mas, ao final, sofreu um revés da sociedade.
— Na Itália, caiu a velha política. O empresariado então viu uma oportunidade. Quem tomou o poder foi um grande empresário, o Berlusconi. Mas ele foi para o governo não para combater a corrupção, mas para combater os juízes. Senti isso na pele — disse o italiano, sendo aplaudido também pela plateia.
Como já havia manifestado em entrevistas anteriores, Di Pietro manifestou solidariedade ao juiz Sergio Moro e disse que espera que aqui não aconteça o mesmo que lá, onde, segundo ele, os criminosos corruptos criaram um "sistema de ilegitimidade" para desmoralizar o que a Mãos Limpas havia desenvolvido.
Considerado o mais tradicional encontro brasileiro sobre liberalismo econômico, o Fórum da Liberdade prevê uma segunda palestra nesta terça-feira, às 17h, com a presença de Moro e Di Pietro.