O Brasil rachou, mais uma vez. A população terá de segurar a ansiedade por quase um mês para saber quem conduzirá o país pelos próximos quatro anos. Direita e esquerda vão disputar voto a voto a cadeira presidencial, num universo de mais de 100 milhões de eleitores que retornarão às urnas em 30 de outubro.
Já tinha ocorrido em 2018. O cenário se repetiu agora, só que com sinal invertido. No pleito deste domingo (2), após a campanha mais radicalizada das últimas décadas em termos ideológicos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu na frente na disputa, com 48,3% dos votos válidos, na luta contra seu rival, o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que fez 43,2% (placar com 99,84% das urnas apuradas). A propaganda eleitoral no rádio e na TV para o segundo turno tem início na sexta-feira (7) e vai até 28 de outubro.
Lula não ganhou no primeiro turno, como previam algumas pesquisas de intenção de voto. Nem Bolsonaro fez 60% dos votos, como ele próprio alardeava que faria — ou “algo muito errado” teria ocorrido nas urnas, cogitava o presidente, ao longo da campanha. A realidade é que os brasileiros mostram profunda divisão sobre qual modelo deve ditar os rumos da economia, dos costumes, das relações internacionais e do cotidiano político do país.
Lula fez 57 milhões de votos, e Bolsonaro, 51 milhões. O racha mostra que vem pela frente uma disputa voto a voto, de fundo ideológico. De um lado, um candidato (Bolsonaro) com discurso antissistema, que considera que em 1964 ocorreu uma contrarrevolução e não um golpe, que defende o regime militar, a necessidade de uma nação galvanizada em torno da religião cristã, que é conservador em costumes e que prega o liberalismo econômico — mesmo que temperado com políticas de auxílio social. Na outra ponta, o político de esquerda (Lula) com boas relações com o sistema, que chama de ditadura o regime aberto a partir de 1964, que prega uma nação multifacetada do ponto de vista de costumes e religião e que defende intervenção do Estado em pontos-chave da economia — mesmo que com concessões ao mercado financeiro.
Fosse em termos de divisão geográfica do país, Bolsonaro teria motivos para comemorar. Venceu em três das cinco regiões, perdendo para Lula apenas no Norte e Nordeste. Acontece que número de regiões não é percentual de voto. Os nordestinos representam o segundo maior colégio eleitoral do país e, lá, o candidato do PT continua soberano.
Outro motivo de celebração dos bolsonaristas é que ex-ministros e apoiadores garantiram espaço eleitoral, país afora. As ex-ministras Tereza Cristina (Agricultura) e Damares Alves (Direitos Humanos) e o ex-ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) se elegeram senadores. O ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) foi eleito deputado federal. E o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) saiu na frente na corrida para governador no Estado mais populoso do país, São Paulo.
Foram eleitos também, no Paraná, outros dois ex-simpatizantes de Bolsonaro, os protagonistas da operação Lava-Jato: o ex-juiz Sérgio Moro (e ex-ministro do atual presidente) para senador, pelo União Brasil, e o ex-procurador da República Deltan Dalagnoll (Podemos), para deputado federal.
A chamada terceira via da política não decolou e virou coadjuvante, com 4,17% dos votos para Simone Tebet (MDB) e 3,05% para Ciro Gomes (PDT). O decréscimo da intenção de voto nos dois coincide com o aumento na tendência de votos em Bolsonaro. Sinal de que o voto útil pode ter migrado mais para Bolsonaro do que para Lula, na reta final da campanha.
No RS, o presidente Jair Bolsonaro pode celebrar alguns resultados. Elegeu o senador, o atual vice-presidente da República Hamilton Mourão (Republicanos). E conseguiu que seu candidato favorito ao governo do RS, Onyx Lorenzoni (PL), saísse na frente na disputa ao governo do Estado, com 37,5% dos votos no primeiro turno, contra 26,81% do atual governador, Eduardo Leite (PSDB), e 26,77% de Edegar Pretto (PT).
Urnas destoaram das pesquisas
Os resultados das majoritárias no RS são exemplo de como as pesquisas podem errar. Na última enquete feita pelo Ipec, dois dias antes da eleição, Leite estava na frente (40%), seguido de Onyx (30%) e Pretto (20%). Para senador, venceu Hamilton Mourão (Republicanos), que nas pesquisas perdia para Olívio Dutra (PT).
A corrida pelo segundo lugar para governador foi eletrizante e decidida apenas nos últimos minutos. Tanto Eduardo Leite como Edegar Pretto fizeram quase o mesmo percentual de votos. A diferença entre os dois foi decimal e resumida a cerca de 2 mil votos, o equivalente a um município de porte pequeno.
Os institutos de opinião também inverteram a tendência de voto em São Paulo: previam Fernando Haddad (PT) em primeiro lugar, com Tarcísio de Freitas em segundo. Deu o inverso no primeiro turno.
A polarização que marcou a corrida presidencial se repetiu nos rincões. Exemplo disso é a votação para deputado estadual no RS. O mais votado é o comunicador Gustavo Vitorino (Republicanos), apoiador de Bolsonaro. Mas o segundo lugar fica com alguém do polo ideológico oposto, Luciana Genro (PSOL). Para deputado federal, o mais votado é o bolsonarista tenente-coronel Luciano Zucco (Republicanos), seguido do liberal Marcel Van Hattem (Novo). O terceiro colocado, porém, é o petista Paulo Pimenta, e a quarta colocação fica com Fernanda Melchionna (PSOL), ambos de esquerda.
Governadores
As chefias de campanha bolsonarista e lulista devem programar muitas viagens para o segundo turno, em busca de apoios de chefes políticos regionais. A fissura que separa o eleitorado brasileiro, aliás, repete-se nos cenários estaduais. Candidatos a governador que estão com Lula foram vitoriosos ou saíram na frente em 10 Estados: Piauí, Amapá, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo e Bahia. Em outros três (Maranhão, Pernambuco e Rio Grande do Sul) pode ganhar reforço de candidatos no segundo turno.
Já os candidatos a governador que apoiam Bolsonaro ganharam ou saíram na frente em 11 Estados: São Paulo, Acre, Roraima, Rondônia, Distrito Federal, Amazonas, Tocantins, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. No segundo turno, Bolsonaro tende a ganhar apoio de eleitores de de Mauro Mendes, de Mato Grosso, e Ronaldo Caiado, de Goiás, ambos do União Brasil. Os dois flertaram com o bolsonarismo, mas se distanciaram nos últimos anos. Em Minas Gerais, o eleito Romeu Zema (Novo) também deve ajudar.
Apoios e simpatias
Lulistas: o provável apoio a Lula acontece no Pará, onde Helder Barbalho (MDB) se elegeu no primeiro turno; no Amapá, com Clécio Luís (Solidariedade), ex-PT e PSOL e apoiado pelo PDT; no Espírito Santo, com Renato Casagrande (PSB), apoiador declarado; no Rio Grande do Norte, com Fátima Bezerra (PT). Deve ganhar reforço também, no Maranhão, onde disputam Carlos Brandão (PSB) e Weverton Rocha (PDT), e em Pernambuco, com Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB). Em Sergipe, Rogério Carvalho (PT) sai na frente. E Lula pode ganhar amparo de Eduardo Leite (PSDB) no RS. Na Bahia, Jerônimo (PT) encara ACM Neto (União Brasil).
Bolsonaristas: Bolsonaro tem apoio de Cláudio Castro (RJ), eleito no RJ; Ratinho Jr (PSD), no Paraná; Gladson Camelli (PP), no Acre; Wanderlei Barbosa (Republicanos), no Tocantins; Antônio Denarium (PP), em Roraima; e Ibaneis Rocha (MDB), no Distrito Federal. Também tem como cabo eleitoral em Santa Catarina Jorginho Mello (PL). O bolsonarismo também deve eleger o futuro governador de Rondônia, já que os dois favoritos apoiam o presidente: Marcos Rocha (União Brasil) e Marcos Rogério (PL). Outro palco quase certo para Bolsonaro fica no Amazonas, onde Wilson Lima (União Brasil) enfrenta Amazonino Mendes (Cidadania).