Nem toda ideia que muda a cara de uma cidade custa uma fortuna aos cofres públicos.
No ano em que Porto Alegre e os demais municípios brasileiros vão às urnas, GZH vasculhou premiações nacionais e internacionais de boas práticas de prefeituras, eventos de forte repercussão e iniciativas inusitadas aos moldes dos problemas porto-alegrenses para apresentar um cardápio farto aos gestores que estarão no Paço Municipal e na Câmara de Vereadores a partir de 2021.
A lista de projetos destacados, que passa por áreas como transporte, educação, urbanismo entre outros, evidencia que criatividade e a pró-atividade são fatores que pesam ainda mais em tempos de limitações financeiras.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Integração do transporte público, inspirado na Grande Florianópolis (Santa Catarina)
A integração de Porto Alegre aos sistemas dos demais municípios da Região Metropolitana é um dos maiores problemas do transporte público da capital gaúcha. A desconexão impacta no trânsito e na tarifa salgada da Capital, calculada com base no número decrescente de passageiros.
Santa Catarina começou a resolver a questão em 2019 tirando da prancheta o Sistema Integrado de Transporte Coletivo, que em dois anos deve integrar trajetos e uniformizar tarifas, paradas e bilhetagem de nove municípios. Chama a atenção a estratégia política: as nove Câmaras Municipais assinaram convênios de cooperação, fazendo com que o interesse comum se sobrepusesse à divergências locais entre vereadores e prefeito e à eventual relutância de algum município.
O sistema foi elaborado pela Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana, do governo estadual, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e com a GIZ, agência de fomento alemã que investe em projetos de redução de emissão de poluentes. O sistema trará ainda inovações como parte da frota de ônibus elétricos desenvolvidos pela UFSC (foto) e corredores de ônibus em rodovias federais e estaduais.
Em setembro, o projeto recebeu o Prêmio Oracle no 13º Fórum Global de Liderança em Infraestrutura, realizado em Washington (EUA), pelo potencial de geração de empregos.
Incentivo à arte urbana, inspirado em Belo Horizonte (Minas Gerais)
A capital mineira já tinha uma cena local pulsante em grafites urbanos, mas ela ganhou um incentivo e tanto a partir de março de 2017, quando um decreto instituiu o Programa Gentileza – uma homenagem ao Profeta Gentileza, andarilho morto em 1996 que fazia inscrições em pilastras de viadutos do Rio de Janeiro. O projeto selecionou espaços públicos como viadutos, passarelas, escolas, praças e prédios para receber intervenções.
A um custo relativamente pequeno – um edital de R$ 300 mil, distribuído entre 40 artistas ou coletivos – Belo Horizonte impulsionou um movimento que foi literalmente às alturas nos anos seguintes. Já em 2017, o Circuito de Arte Urbano (CURA) da cidade passou a receber um festival de pintura em empenas (as laterais cegas dos prédios, sem janelas). O evento se repete ano a ano desde então, com obras cada vez maiores e impressionantes – e já sem maior necessidade de recursos públicos.
Além dos grafites, que deram a BH o apelido de “Cidade Tatuada”, há um mapa colaborativo online para rastrear as obras e dois mirantes, nos bairros Floresta e Lagoinha, com lunetas para visualizar em detalhes pinturas que chegam a 50 metros. Em 2020, o Cura realizou 18 intervenções, a maior coleção de arte em grande escala já feita em um único evento.
Integração entre escolas e comunidade, inspirado em Fortaleza (Ceará)
Em busca de uma meta de reduzir as mortes no trânsito pela metade em 10 anos, a capital cearense penava para diminuir um tipo específico de acidente: o atropelamento de crianças em bairros densamente povoados e de baixa renda.
A partir de 2019, a prefeitura de Fortaleza usou escolas municipais para atacar o problema: o projeto Caminhos da Escola estipulou um raio de 200 metros em torno de três escolas públicas que atendiam mais de 3 mil crianças e as transformou em áreas de convivência com os devidos equipamentos públicos: bancos, brinquedos, pinturas no chão, alargamentos de calçadas e outras medidas para “acalmar” o trânsito.
Em Porto Alegre, o principal benefício seria o que ocorreu em Fortaleza na sequência: as comunidades se engajaram na conservação e no dia a dia das escolas, que ganharam ares de centros comunitários. Quando as primeiras estruturas, temporárias, foram substituídas pelas permanentes, os próprios moradores participaram das obras. Em 2020, outras cinco escolas ganhariam intervenções, tornando a medida uma política pública.
A ação é parte do projeto Streets for Kids (Ruas para as Crianças), da Associação dos Secretários de Transportes de Cidades (NACTO) da América do Norte. Em fevereiro, rendeu a Fortaleza um prêmio na Suécia promovido pela FIA Foundation, dos organizadores da Fórmula-1.
Corrida de rua para ensinar História, inspirado em Porto Seguro (Bahia)
Conforme o esporte ganha em popularidade, as cidades brasileiras já perceberam o potencial econômico de sediar corridas. Entre as maiores do mundo, a Maratona de Nova York gera nada menos do que US$ 340 milhões na economia local. No Rio de Janeiro, a competição que traz 26 mil participantes movimenta R$ 200 milhões.
Um nicho desse mercado são eventos menos ambiciosos e mais charmosos, que reúnem esporte, turismo e cultura, propiciando aos corredores conhecimento da História local. É o caso da Meia Maratona do Descobrimento, que ocorre desde 2016 em Porto Seguro (BA) por volta do dia 22 de abril, que marca a chegada de Pedro Álvares Cabral ao país. O trajeto percorre a orla encontrada por Pedro Álvares Cabral, cuja silhueta aparece na medalha.
Além da Maratona de Porto Alegre, que costuma reunir por volta de 10 mil participantes usualmente em maio, a capital gaúcha poderia dedicar uma prova aos eventos históricos que passaram pela cidade.
Por que não uma Meia Maratona Farroupilha, em setembro? Uma sugestão de trajeto: percorrer o trajeto onde havia um muro para guardar a cidade dos revolucionários: da Voluntários da Pátria, passando por Pinto Bandeira, João Pessoa, República e Praia de Belas, seguir pela Ipiranga até a Ponte da Azenha, palco da primeira batalha, dobrar pela avenida até o monumento a Bento Gonçalves, contornar o Parque da Redenção e dali em direção ao ponto de origem, no Centro Histórico.
Incentivo fiscal para regularizar ambulantes, inspirado em Volta Redonda (Rio de Janeiro)
Município da Região Metropolitana do Rio, Volta Redonda enfrentava em meados da década o crescimento desordenado dos ambulantes na cidade, gerando uma economia paralela sem controle, fiscalização ou orientação do poder público.
Em 2017, a prefeitura usou o IPTU como principal ferramenta para trazer os ambulantes e outros trabalhadores sem carteira assinada para a formalidade: regulamentou uma lei que isentava de aumento na tarifa quem tivesse a residência registrada como “sede da empresa” de um micro-empreendedor individual (MEI).
Para agilizar a regularização, a prefeitura também criou o Espaço do MEI, para emitir os alvarás em um prazo médio de 24 horas, e firmou uma parceria com a Agência Estadual de Fomento do Rio (AgeRio) para disponibilizar linhas de microcrédito aos MEIs em dia.
Com isso, Volta Redonda alcançou o número de 14 mil MEIs regularizados, o equivalente a aproximadamente 5% da população do município. O projeto foi um dos vencedores do 10º Prêmio Prefeito Empreendedor do Sebrae.
Premiação a professores da rede pública, inspirado em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul)
O projeto da prefeitura de Três Lagoas, município de 96 mil habitantes no Mato Grosso do Sul, não poderia ser mais simples: premia em dinheiro as três melhores iniciativas de professores da rede municipal de ensino.
Não é um prêmio milionário – são prêmios R$ 3 mil, R$ 5 mil e R$ 7 mil –, mas o Prêmio Professor Destaque paga o suficiente para a prefeitura ter, por um custo pequeno, uma forma de conhecer as melhores e mais criativas iniciativas dos professores do município. Assim, elas podem ser replicadas em outras instituições nos anos letivos seguintes.
Em 2019, já na nona edição do prêmio, concorriam 38 iniciativas. Ganhou a professora criadora de um projeto que estipulou o “porte de livros” pelos alunos no dia a dia, na via contrária ao porte de armas. Três Lagoas tem mais de 50% de suas 17 escolas municipais acima das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Porto Alegre, desde 2105, não tem uma sequer.
Marina e parque urbano, inspirado em Florianópolis (SC)
Imagine que um dos empreendimentos na Orla do Guaíba fosse um parque público de 123 mil metros quadrados (um terço da Redenção), e uma marina para mais de 300 embarcações públicas e privadas em uma área de 400 mil metros quadrados sobre as águas.
É o que Florianópolis terá na região da Beira-Mar Norte em cinco anos, se cumprido o contrato firmado na última terça-feira. A empresa Jota Ele, responsável por empreendimentos em Angra dos Reis, venceu o edital de concessão da prefeitura que prevê R$ 190 milhões de investimentos em troca da exploração comercial do espaço por 30 anos.
Que ficaria ótimo na recém revitalizada Orla de Porto Alegre, não há dúvidas, mas antes os gaúchos teriam de ter uma aula com os catarinenses de agilidade e resolução de conflitos. Entre a aprovação do projeto na Câmara de Vereadores quase por unanimidade (houve três abstenções) e a assinatura do contrato, foram apenas dois anos e onze dias. Embora o Tribunal de Contas do Estado vizinho tenha interrompido o processo em janeiro, ajustes no projeto fizeram com que ele mudasse de entendimento em setembro, dando sinal verde para o empreendimento. Nos próximos 90 dias, a prefeitura analisa a documentação da empresa vencedora do edital. Os pedidos de licença começam a tramitar após a aprovação da prefeitura.