Na noite de domingo, recém-eleito presidente da República, Jair Messias Bolsonaro emergiu diante das câmeras de TV para oferecer ao povo brasileiro o pronunciamento da vitória. Em vez lançar-se à leitura do discurso, naquele momento de solene expectativa, passou de imediato a palavra a Magno Malta (PR), pastor evangélico e praticante da chamada “velha política”. Malta deu uma mão a Bolsonaro, outra ao deputado federal Onyx Lorenzoni e abriu a era Bolsonaro com dois minutos e meio de reza, na qual misturou, com fervor, Deus e política.
— Começamos esta jornada orando. Os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sem a mão de Deus. A Tua palavra diz que quem unge a autoridade é Deus. E o Senhor ungiu Jair Bolsonaro — recitou Malta, atribuindo ao poder divino o mandato que se imaginava ter sido decidido por 57,8 milhões de brasileiros que digitaram o número 17 nas urnas.
Como dizem os apoiadores do futuro presidente do Brasil, é melhor “jair se acostumando”. Tudo indica que o folclórico Malta, um dos mais estridentes integrantes da bancada da Bíblia, será uma figura de primeiro plano no novo governo, e não apenas como guru religioso da Presidência. A tendência, confirmada pelo próprio Bolsonaro, é de que o senador capixaba em fim de mandato tenha um ministério para chamar de seu a partir de 1º de janeiro.
— Magno Malta estará conosco, sim, no Palácio do Planalto, afinal de contas é um grande homem, um grande valor e tem muito a dar a essa pátria — declarou Bolsonaro.
Eis um político apegado à tradição de aderir ao governo. Malta foi um apoiador entusiasmado das presidências de Lula e Dilma e, em 2011, quando o PR ameaçou abandonar o barco da gestão petista, foi ele, na condição de líder do partido no Senado, quem se opôs.
Na época, tinha um irmão com cargo no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), e seu partido oferecia apoio ao PT em troca do comando do Ministério dos Transportes. O correligionário Alfredo Nascimento perdeu o cargo de ministro da pasta em meio a acusações de recebimento de propinas para superfaturamento de obras.
O PR só foi para a oposição em 2016, às vésperas do impeachment. Malta converteu-se ao movimento pela remoção de Dilma, bandeou-se para as hostes de Michel Temer e passou a esconjurar e excomungar os antigos aliados.
Era o nome predileto de Bolsonaro para concorrer a vice, mas recusou, preferindo candidatar-se à reeleição como senador. Em 7 de outubro, porém, os capixabas – ou Deus, de acordo com a lógica maltiana – deram-lhe apenas 17% dos votos. Optaram por eleger Fabiano Contarato (Rede), o primeiro gay assumido a chegar ao Senado. Malta, opositor de uma lei anti-homofobia, ficou sem mandato.
No Congresso, pautas ultraconservadoras
Nascido no interior da Bahia há 61 anos, Malta tornou-se pastor depois de fazer um curso no Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, em Pernambuco, e ganhou projeção como cantor à frente da banda gospel Tempero do Mundo. Entrou para a política em 1993, como vereador em Cachoeiro do Itapemirim (ES). Em eleições consecutivas, foi para a Assembleia Legislativa (1994), para a Câmara dos Deputados (1998) e para o Senado (2002 e 2010).
Em sua carreira parlamentar, observou o escritor Luiz Rufatto, cultivou o hábito de atuar como se tivesse procuração de Deus para defender suas posições ultraconservadoras. Além de votar contra a criminalização da homofobia, apresentou o projeto Escola Sem Partido, foi favorável à flexibilização do Estatuto do Desarmamento e defendeu que o aborto deveria ser proibido em qualquer circunstância, mesmo no caso de gravidez por estupro, por equiparar a interrupção da gestação ao assassinato.
Um dos episódios polêmicos de sua trajetória ocorreu em 2010. Um cobrador de ônibus, acusado de ter violentado a filha de dois anos, passou nove meses preso, período em que teria sofrido torturas cotidianas, levando à perda da visão em um olho. A imprensa do Espírito Santo publicou reportagens nas quais sustentam que Malta disse à polícia acreditar que o cobrador era culpado, com base em sua experiência como presidente da Comissão da Pedofilia do Senado. No final, o homem foi absolvido pela Justiça.
Casado em segundas núpcias (o que causou certo escândalo no meio evangélico, que considera o matrimônio indissolúvel) com a cantora gospel e ex-deputada Lauriete, foi indiciado na CPI dos Sanguessugas, que investigou o desvio de recursos públicos para compra de ambulâncias, mas o caso acabou arquivado por falta de provas.
A relação dele com Bolsonaro remete à década de 1990, quando ambos, deputados em início de carreira, descobriram profundas afinidades no campo do conservadorismo. Bolsonaro definiu o senador como “um amigo para sempre”, chamou-o de “meu noivo” quando cortejava-o para a vice na chapa à Presidência e não cansa de agradecer-lhe pela aproximação com grupos religiosos. Portanto, vai ter reza, sim.
Como pensa o senador
- Votou contra a criminalização da homofobia
- Apresentou o projeto Escola Sem Partido
- Foi favorável à flexibilização do Estatuto do Desarmamento
- Disse que o aborto deveria ser proibido mesmo em caso de estupro