Sábado, véspera do primeiro turno. No carro, o analista administrativo Mareu Neves do Nascimento, 39 anos, conversava com a mulher, a enfermeira Vanessa Rauber, 36 anos.
— Temos de fazer a colinha — lembrou ela.
— Com quem tu vais para deputado? — questionou ele.
— Pois é… — pensou Vanessa. — Tem a Maria do Rosário…
Silêncio. Mareu puxa o freio de mão do veículo:
— Tu estás brincando comigo?
— Não, amor, estou falando sério. Me identifico muito com ela, com os direitos humanos — explicou Vanessa.
— Vou me divorciar! — ameaçou. — Pelo amor de Deus! Muda teu voto, anula! — indignou-se Mareu.
Para acabar com a discussão — e para não terminar com o casamento —, Vanessa assentiu:
— Tá bom, não vou votar nela.
As divergências do casal que afloraram ali, 24 horas antes do pleito, são uma amostra da tensão constante. Mareu, eleitor de Jair Bolsonaro (PSL), é o único homem no grupo de WhatsApp integrado por, além de Vanessa, a sogra e as cunhadas, Laura, 19 anos, e Izabela, 23 anos, com quem mais debate.
— Sempre tivemos desavenças de opiniões. Isso se iniciou quando comecei a amadurecer e entrei na faculdade de Direito.
Mareu tem aquela visão meio moralista, meio retrógrada, e comecei a me impor – conta Izabela, estudante de Direito e eleitora de Ciro Gomes, do PDT, que ficou em terceiro lugar.
— A Iza é mais firme, tem personalidade. Quando começo a tocar na ferida dela, ela fica brava, e essa nova geração enfrenta, mas foge em determinados momentos — responde Mareu.
Para a boa convivência dos churrascos de domingo, ninguém combinou nada, mas os dois lados garantem um acordo tácito, informal: não se fala de política. Mareu percebeu de cara:
— Em uma conversa do WhatsApp, quando comecei a falar, ela saiu do grupo. Tive de adicionar. E disse: “Pelo amor de Deus, não leva para esse lado, a gente se ama tanto, é todo mundo unido”.
Encerrado o assunto. Não se toca no tema eleição. Só faltou avisar os demais membros da família. Em um almoço certo dia, a avó das jovens quis saber:
— E aí, Zico (apelido de Mareu), vai de quem para presidente da República?
— Vó, tem alguma dúvida? — ironizou Mareu.
Vanessa já imaginou: “vai começar”, tentou interromper o papo, sem sucesso.
A sogra tentou apaziguar:
— Não fala, não faz.
— Por quê? Deixa ele falar em quem ele vai votar.
— Vou votar no Bolsonaro, tem alguma dúvida? — sentenciou Mareu
Laura, a outra cunhada, virou bicho, nas palavras do rapaz.
As discussões são antigas. Izabela conta que, no Dia da Mulher, Mareu postou no grupo um card com a imagem de um carro destruído em um acidente
— Tu está sendo machista — criticou Izabela. – Tu posta isso em um grupo onde só tem mulheres? A mulher é muito mais do que isso hoje em dia. São incríveis, guerreiras, e tu vem e resume a mulher a isso?
Os dois não andam se falando, mas ambos prometem que tudo se resolverá depois do segundo turno.
— Depende muito da família. Aquelas pautadas pelo amor, pelo diálogo, e por mais que tenham desavenças, isso não vai ser capaz de destruir uma família, até porque todos vamos sofrer os efeitos do governo que vai assumir. Então, estamos todos juntos nessa — avalia Izabela.
— Acho que se acalma. Sou tolerante. Se depender da minha parte, com certeza. Tenho o maior carinho e amor por elas. Mas, não baixo a guarda. Se quiser me convencer do contrário, vai sair faísca — brinca Mareu.
Já se Vanessa, a mulher, desistiu mesmo de seu voto para não acabar com o passeio — e com o casamento –, não se sabe até agora.
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