Marcel Bursztyn
Professor da Universidade de Brasília
O economista Marcel Bursztyn fez seu doutorado em desenvolvimento econômico e social na Universidade de Paris, estudando questões relacionadas ao autoritarismo e o poder na cultura do Nordeste, o que o levou a percorrer o sertão em busca de respostas. Na entrevista a seguir, o pesquisador avalia os resultados eleitorais na região.
O que representa o PT para o eleitor nordestino?
Várias explicações são apresentadas. Por exemplo: o governo Lula empreendeu políticas sociais que tiveram impacto para a população de baixa renda, o que atinge Nordeste e Norte. Nessas regiões, é elevada a proporção de famílias que recebe algum benefício, o que por si só gera simpatia. Mas isso não basta para explicar. É preciso levar em consideração fatores mais subjetivos.
Que fatores seriam esses?
A região Nordeste tem uma cultura de fidelidade às lideranças consolidadas. Trabalhei com a população do semiárido, do sertão, e chamava a atenção que, na década de 1970, havia famílias que tinham uma foto de Getúlio Vargas na parede. Era a referência do grande benfeitor. Anos depois, era Lula que estava nas paredes. Essa fidelidade é muito forte, e não é de esquerda ou direita, é com quem eles identificam — vou usar um termo pesado, mas antropologicamente importante — como o padrinho. No caso de Lula, esse padrinho era da esquerda, mas tradicionalmente as pessoas votavam nos coronéis da região. Não importa o alinhamento ideológico, importa se essa figura fez alguma coisa por mim.
Vê-se que o mapa eleitoral coincide com o da distribuição da pobreza no Brasil. Onde a pobreza é maior, Haddad venceu, e não só no Nordeste. A divisão não seria, mais do que geográfica, de classe?
É verdade, é uma divisão de grupos socioeconômicos. No Nordeste, é maior a proporção vivendo abaixo da linha da pobreza e, portanto, de beneficiários de políticas de transferência de renda e de proteção social. Quando Dilma foi eleita, fiz um estudo sobre os municípios em que havia maior proporção de beneficiados desses programas, cruzando isso com a votação que ela obteve, e era quase proporcional. Existe um efeito, sim. Não quer dizer que esses programas sejam maliciosos, que tenham essa finalidade, mas na percepção dos beneficiados há uma relação entre esses benefícios e a linha política do Lula e da Dilma. Eu diria que as famílias de baixa renda são muito mais fiéis e que identificam quando são levadas em consideração por um grupo político.
Bolsonaro venceu em muitas capitais e cidades grandes do Nordeste. O perfil desse eleitor é diferente?
Isso não surpreende. Na cidade existe uma autonomização, que faz fugir àquela relação direta do "fez por mim, devo a ele". As cidades são mais diversas, têm mais atividades.
Pode ter pesado a segurança?
Sim. Maceió e Campina Grande, por exemplo, enfrentam uma violência muito forte. Um candidato diz: "Vou proteger a baixa renda". Outro diz: "Vou proteger vocês dos bandidos". Na percepção de quem está na cidade, exposto a uma criminalidade cotidiana, é possível que o apelo da segurança física tenha maior importância do que o apelo da segurança social.