O Nordeste levou Fernando Haddad ao segundo turno, mas não conseguirá elegê-lo presidente, por mais que o candidato avance na região no dia 28. O petista será forçado a garimpar votos — muitos votos — em outras áreas do país, se quiser triunfar. É uma questão aritmética. Dos 39,2 milhões de eleitores da região, 22 milhões se definiram por Haddad ou Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno. Sobram 17,2 milhões — pessoas que preferiram outros candidatos, que votaram branco ou nulo ou que não compareceram à urna.
Mesmo que toda essa gente decida-se pelo petista — o que é praticamente impossível —, ele conseguiria apenas encostar nos votos que Bolsonaro já fez no último domingo. A diferença entre os dois primeiros colocados ficou em 17,9 milhões.
— O PT vai ter de procurar um eleitor que não gosta do partido e que não simpatiza com Lula, dentro e fora do Nordeste, se quiser reverter a situação — diz o cientista político Renato Francisquini.
Apesar dessa dificuldade, o Nordeste representa ainda o principal bolsão onde o petista tem condições de crescer. O Ceará, em particular, é promissor para ele. O Estado foi um corpo estranho na região, o único que votou numa alternativa. Preferiu Ciro Gomes (PDT), líder de um grupo que é associado pelos cearenses a uma mudança positiva na política, na economia e nos indicadores sociais locais.
Migração de votos de Ciro a Haddad chegaria a 80%
No segundo turno, cientistas políticos entendem que o eleitor de Ciro tenderá a optar por Haddad. A expectativa é de migração de votos próxima dos 80%. Gil Célio de Castro Cardoso, professor da Universidade Federal do Ceará, observa que, entre os cearenses, é natural associar as políticas dos Gomes àquelas adotas por Lula.
— O Ceará sempre esteve na base de apoio do governo Lula, desde o começo. E os Ferreira Gomes, nas figuras dos irmãos Ciro, Cid e Ivo, são identificados com as políticas de inclusão do PT. Eles fizeram governos de centro-esquerda, governos de resultado, associados a uma melhora de vida das pessoas. É natural que o voto do Ciro vá para o Haddad, ainda que não vá ser um transposição de 100%.
Se essa transferência de votos se confirmar, o Ceará terá potencial para dar a maior vitória a Haddad no segundo turno. No domingo passado, o petista já quase dividiu os eleitores do Estado com Ciro — o placar foi 41% a 33%, com os dois juntos somando 75% dos votos válidos. Levando em conta todo o Nordeste, o candidato do PDT somou 4,9 milhões de votos. Se a taxa de transferência para Haddad chegar aos 80%, isso significaria um bônus de 4 milhões de votos na conta do PT.
Os analistas entendem que Haddad também tem potencial para crescer em outros Estados do Nordeste — o caso mais flagrante seria a Bahia, onde o candidato do PT ao governo estadual, Rui Costa, fez 15 pontos percentuais a mais do que o presidenciável do partido. Em termos absolutos, são 650 mil que podem cair no colo de Haddad.
Essa possibilidade de crescimento passa pela dificuldade que o discurso de Jair Bolsonaro tem de entrar na região. Para Gil Célio, a maior parte dos eleitores locais tende a ver o capitão da reserva como "o candidato deles".
— O nordestino identifica claramente que são distintos os interesses da região e os do centro-sul. Olham para Bolsonaro e pensam: "Esse cara não vai cuidar da gente". Isso acontece porque o discurso dele é de diminuição do Estado, o que no Nordeste assusta muito, porque grande parte dos municípios vive dos benefícios que vêm do Estado.