Fortalecido ao longo do segundo turno da eleição presidencial, o otimismo no mercado financeiro não atinge o setor produtivo com a mesma robustez. Incertezas relacionadas aos planos de governo de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) ainda cercam segmentos como a indústria. Para analistas, o avanço da atividade econômica poderá ganhar fôlego a partir de 2019, a depender da capacidade de atuação do nome que será ungido pelas urnas no próximo domingo.
No mercado financeiro, o bom humor recente está relacionado à liderança de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. Em outubro, a bolsa de valores de São Paulo acumula alta de 4,7% e o dólar registra queda de 7,2%.
— Bolsonaro é o candidato que o mercado escolheu no segundo turno. Mas não adianta se eleger e não conseguir confirmar reformas como a da Previdência. O mercado quer não é este ou aquele candidato. É alguém com capacidade de fazer as reformas — diz Alexandre Espírito Santo, economista da plataforma de investimentos Órama.
Apesar do otimismo de investidores financeiros, a confiança em relação ao cenário econômico ainda não deslanchou nas fábricas. No Estado, em escala de zero a cem, o Índice de Confiança do Empresário Industrial subiu um ponto percentual em outubro, para 54,9 pontos, mas continua abaixo do nível anterior ao da greve dos caminhoneiros, em maio (56,6), aponta a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs).
— O ambiente industrial não é de tanto otimismo quanto no mercado financeiro, que trabalha com expectativas, exacerba tendências que nem sempre se confirmam, e isso faz parte de sua atuação. Na economia real, o momento é de stand by (espera). Ainda não há firmeza sobre os planos para a economia a partir de 2019 — explica o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin.
Nesta quarta-feira (24), o Ibovespa, da B3, caiu 2,62%, a 83.063 pontos. No sentido contrário, o dólar subiu 1,33%, cotado a R$ 3,7463. O resultado foi influenciado por turbulências no cenário internacional.
– Se Bolsonaro vencer com margem apertada no domingo, o mercado ficará com pulga atrás da orelha a respeito de sua capacidade de tocar reformas. Se Haddad ganhar a eleição, a tendência é de mau humor na bolsa e no câmbio, e ele precisará adotar discurso para tentar acalmar os ânimos, o que será um desafio enorme – afirma Espírito Santo.
Risco de país rachado depois das eleições
A exemplo de Cagnin, o economista da Órama ressalta que, em relação ao mercado financeiro, o setor produtivo aguarda maior clareza antes de tomar decisões e fazer novos investimentos. Apesar das dificuldades, como o desemprego, que atinge 12,7 milhões de brasileiros, o analista observa que a atividade econômica está "tentando ganhar tração". Espírito Santo lembra que, em setembro, o país criou 137,3 mil vagas com carteira de trabalho, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
— País rachado não vai adiante. É muito importante que, depois da votação de domingo, o Brasil saia deste Fla-Flu. Se tivermos terceiro turno, a situação ficará muito ruim — frisa Espírito Santo.
Em outros segmentos da economia, apesar da existência de números positivos, a tendência também é de compasso de espera frente aos desdobramentos políticos. Na tentativa de engatar retomada mais consistente, o setor de serviços cresceu 1,2% em volume, em agosto, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em igual período, as vendas do varejo subiram 1,3%, após três recuos seguidos.
— Há melhora em indicadores. Mas esse movimento é cíclico. Na crise, a economia caiu muito e agora precisa reagir. Esses avanços não são decorrentes dos resultados de pesquisas de intenção de voto, que mexeram com o mercado financeiro — observa o presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Bohn.
No longo prazo, olhar incerto
Para analistas, o horizonte só ficará mais claro a partir da formação da equipe do próximo governo e do detalhamento das medidas que serão adotadas. O teor das ações consideradas importantes ao desenvolvimento do país divide opiniões.
De um lado, economistas defendem políticas de austeridade e confirmação de reformas. Após sinalizar a adoção dessas medidas, Jair Bolsonaro (PSL) despertou a simpatia da área financeira no segundo turno.
— O mercado já precificou vitória de Bolsonaro. Mas, mesmo se ganhar, as coisas só ficarão mais claras daqui a dois, três meses, quando sua equipe estiver melhor encaminhada. Dados da economia real não são auspiciosos. O próximo governo não poderá criar muitos conflitos e precisará fazer reformas, como a da Previdência — diz Mauro Rochlin, economista e professor da Fundação Getulio Vargas.
De outro lado, há analistas que defendem a expansão de investimentos públicos, programa desenhado por eventual governo de Fernando Haddad (PT):
— O avanço da atividade será baixo neste ano. Há incertezas para 2019. Ainda não se sabe se o país seguirá com a política econômica do governo (Michel) Temer ou não. O crescimento mais forte dependerá de política mais expansionista (com mais gastos públicos). Para isso, Haddad precisaria construir negociações com outros partidos – diz o economista Adalmir Marquetti, professor da PUCRS.
Embora o debate sobre o futuro da economia provoque avaliações distintas, analistas de diferentes vertentes destacam a necessidade de o novo governo focar em ações de longo prazo para o setor produtivo.
— Brasil tem custos sistêmicos que deterioram a produtividade, como infraestrutura cheia de gargalos e poucas formas de financiamento — afirma Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.