Mais de 6 milhões de pessoas engrossaram o exército de desempregados no país desde a última eleição, mas o problema considerado a face mais cruel da crise quase não foi discutido na campanha à Presidência da República. Até o trimestre encerrado em agosto, eram 12,7 milhões sem ocupação no país, mostram os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar da relevância do tema, os programas para a área de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) são superficiais e decepcionam especialistas que estudam o mercado de trabalho. Em meio à pancadaria eleitoral, o baixo interesse por propostas para começar a reverter o quadro parece ter atingido até o eleitor.
Conheça os planos dos candidatos para tentar gerar empregos:
A taxa de desemprego disparou nos últimos quatro anos. Passou de 6,9% para 12,1%. Só entre 2015 e 2017, o Brasil fechou quase 2,9 milhões de postos com carteira assinada, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.
— O que temos visto é ataques de ambos os lados e quase nada de propostas, não apenas para o mercado de trabalho. E o que foi mencionado é muito genérico — lamenta o pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Bruno Ottoni, estudioso do assunto.
Apesar da falta de detalhamento, a análise dos dois programas mostra as diferenças de visão dos candidatos. No caso de Bolsonaro, a única proposta específica é relacionada à possibilidade de contratação com menos direitos, no espírito da reforma trabalhista. O capitão reformado já repetiu que o brasileiro terá de optar por ter mais direitos e menos empregos, ou ter trabalho com menos benefícios. Outros temas são indiretamente relacionados, como a solução do problema fiscal no país, para gerar confiança em empresários e consumidores.
Um economista ligado à campanha chegou a mencionar a intenção de criar 10 milhões de empregos em quatro anos, sendo 60% nos dois primeiros, incentivando — sem dizer como — setores intensivos em mão de obra, como a construção civil. Mais, não disse. Nos oito primeiros anos do governo Lula, por exemplo, quando a conjuntura internacional ajudou o país, foram criadas 13,8 milhões de vagas.
No caso de Haddad, há nítida inspiração em uma intervenção maior do Estado na economia. O petista fala em retomar obras paradas, vitaminar o programa Minha Casa Minha Vida, revogar a reforma trabalhista, apoiar setores considerados estratégicos, valorizar o salário mínimo e incentivar micro e pequenas empresas.
A volta do investimento e a recuperação do consumo seriam impulsionadas por linhas de crédito de bancos públicos. Os planos do presidenciável, no entanto, esbarram na realidade da penúria do orçamento e em prováveis resistências no Congresso, além de trazer à memória experiências que não deram certo.
O professor aposentado da Unicamp Claudio Dedecca, especialista em economia social e do trabalho, vê no conjunto de intenções de Bolsonaro viés mais pró-mercado e, no de Haddad, inclinação desenvolvimentista, com maior papel do governo.
— As propostas de Bolsonaro têm relação com redução do custo do trabalho e flexibilização da legislação. Haddad tem modelo semelhante ao do governo Lula, com ajuda dos bancos públicos para tentar diminuir o custo dos financiamentos para elevar os investimentos, a renda da população e a demanda — avalia Dedecca.
Embora também perceba a falta de detalhamento e explicação de como cada proposta seria alcançada, o professor de economia do trabalho da UFRGS Giacomo Balbinotto concorda que as visões diferentes ficam nítidas:
— Bolsonaro tem agenda mais pró-mercado, com Estado menos pesado. Já Haddad tem um modelo com participação mais forte do governo.