Desde as eleições de 2010, a lei obriga concorrentes a cargos majoritários a formalizarem promessas de campanha. O ato de registrar a candidatura na Justiça Eleitoral passou a ser acompanhado da entrega do plano de governo. O objetivo da regra seria resguardar o eleitor de futuras surpresas. Mas a falta de regras sobre forma e conteúdo transformou o compromisso em mera formalidade.
Os documentos, muitas vezes, trazem propostas de difícil execução ou falham em não detalhar como reformas em setores importantes para o país impactariam a sociedade ou as instituições. Neste ano, 13 candidatos disputam a Presidência da República e todos elaboraram planos que estão disponíveis para consulta no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Analistas advertem que é preciso cautela na interpretação dos dados.
— O candidato sabe que se detalhar demais vai perder votos. O plano serve para indicar um rumo — opina o cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Ranulfo Melo.
Nesta campanha, as áreas prioritárias dos postulantes ao Palácio do Planalto são segurança e economia. A guerra contra a criminalidade traz propostas que, embora exijam aprovação do Congresso, são mais factíveis. As que exigem investimentos robustos dependem da recuperação financeira do país.
Além da expectativa de rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas em 2019, o novo presidente ainda herdará uma alta taxa de desemprego (12,3% no trimestre encerrado em julho). As saídas apontadas passam por revisão de benefícios fiscais, reforma da Previdência, simplificação tributária e, em alguns casos, privatizações. A redução do déficit em curto prazo de tempo, também citada, é vista com desconfiança por economistas.
— Os planos, geralmente, são feitos em cima da hora. Acabam ficando muito genéricos, sem indicação da base de cálculos usada — comenta Ricardo Caldas, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).
A continuidade de programas sociais, como o Bolsa Família, está presente em todas as plataformas. Ações detalhadas de afirmação de políticas para mulheres, LGBT+ e questões raciais aparecem mais frequentemente nas diretrizes de candidatos identificados com a esquerda.
Foram entregues à Justiça Eleitoral quase 600 páginas de propostas pelos 13 candidatos à Presidência. Ao eleitor, caberá analisar cada programa e escolher aquele que, em seu julgamento, mais se distancia da vala comum das folclóricas promessas de campanha.
GaúchaZH analisou todos os planos dos candidatos ao Palácio do Planalto entregues à Justiça Eleitoral. Foram destacados cinco propostas concretas incluídas nos documentos dos cinco primeiros colocados na mais recente pesquisa Ibope.
GERALDO ALCKMIN (PSDB)
16 páginas
O tucano entregou à Justiça Eleitoral esboço de seu plano de governo, sob o título de Diretrizes Gerais. Apresenta 43 itens, sem esclarecer como os resultados prometidos serão alcançados. Ao final, há a indicação de que a íntegra do documento pode ser encontrada no site do candidato, mas o material não está disponível.
Entre as propostas, apenas três trazem prazo. Entre elas, está a promessa de zerar o déficit público em dois anos — a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 prevê déficit primário de R$ 139 bilhões. O tucano promete simplificar tributos, reduzir o número de ministérios e criar regime único de aposentadoria.
Na área da segurança, quer reduzir o número de assassinatos no país e dificultar a progressão de regimes penais para delitos violentos e crime organizado.
Também defende o programa Bolsa Família, pontuando que irá "ampliar os benefícios para os mais necessitados". Na educação, diz ser possível alfabetizar todas as crianças em oito anos. No mesmo período, quer elevar o desempenho no Pisa — teste internacional que avalia estudantes na faixa de 15 anos — em 50 pontos. No indicador sobre ciências, o país tem 401 pontos, enquanto a média mundial é de 493 pontos. Em leitura, tem 407 pontos frente média de 493, e em matemática, soma 377 pontos ante média de 490 pontos.
Os tópicos estão divididos em três capítulos: O Brasil da Indignação (tamanho do Estado e segurança), O Brasil da Solidariedade (saúde, educação e segurança) e O Brasil da Esperança (crescimento da economia).
Propostas
- Dificultar a progressão de regime para crimes violentos ou ligados ao crime organizado
Seria preciso mudar, via Congresso, a legislação que rege o tema.
- Reduzir o índice de mortes para 20 por 100 mil habitantes
Atualmente, a taxa brasileira é de 30,3 assassinatos para cada 100 mil habitantes, de acordo com o Atlas da Violência 2018, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No plano, a única pista de ação para atingir a redução projetada é "engajar Estados e municípios".
- Zerar o déficit fiscal em dois anos
O plano não cita ações específicas, mas menciona pontos como combate à desperdícios, privatização de estatais, reforma da Previdência, entre outros, que poderiam melhorar as finanças do país.
- Aumentar os benefícios do Bolsa Família
O plano diz apenas que o programa seria ampliado para os mais necessitados, mas cita valores nem quantas pessoas seriam atingidas.
- Simplificar o sistema tributário
Substituir cinco impostos e contribuições, não indicados no documento, pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Para reafirmar a escolha do ex-presidente, o documento entregue pelo PT à Justiça Eleitoral traz na capa o título "Plano Lula de Governo". O nome do candidato aparece 174 vezes. As palavras golpe (11 vezes) e Temer (10) também são recorrentes.
A revogação de medidas do governo de Michel Temer tem destaque. Seriam revogadas as reformas trabalhista e do Ensino Médio, o teto de gastos e a autorização a consórcios para exploração do pré-sal sem a Petrobras.
O documento propõe alteração dos critérios de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e das demais cortes superiores. Sugere limitar o tempo de mandato dos magistrados, reduzir as férias de juízes de 60 para 30 dias e acabar com o auxílio-moradia.
Na educação, há a previsão de ampliar gradualmente o investimento até alcançar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) — para a saúde, seriam 6%. Há ainda a contratação de 2 milhões de moradias pelo Programa Minha Casa Minha Vida nos próximos quatro anos e a recriação dos ministérios de Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres e para Promoção da Igualdade Racial. O Bolsa Família seria ampliado.
O plano promete implementar as 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade, entre as quais, o reconhecimento pelas Forças Armadas "de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura". Haveria, ainda, aumento do controle sobre armas e munição, conforme define o Estatuto do Desarmamento.
Propostas
- Revogar reformas trabalhista e do Ensino Médio, alterações no marco regulatório do pré-sal e a regra do teto de gastos
Propor, "por todos os meios democráticos, inclusive por referendos e plebiscitos", a revogação das medidas.
- Investir progressivamente 10% do PIB na educação
Implementar o Custo-Aluno-Qualidade (CAQ) — valor básico a ser investido para garantir a qualidade mínima de ensino —, ampliar os recursos da União para o Fundeb e retomar os royalties do petróleo e do Pré-Sal para área.
- Construir 2 milhões de moradias pelo Minha Casa Minha Vida
Privilegiar obras em áreas que já tenham infraestrutura urbana e criar o "subsídio localização", valor adicional como forma de incentivo. Em parcerias com Estados e municípios, usar imóveis desocupados ou sem destinação.
- Aprimorar política de controle de armas e munição
Reforçar o rastreamento por "rigorosa marcação", conforme o estatuto do desarmamento.
- Inflação controlada, juros baixos e crédito disponível
Construir novo indicador para a meta da inflação, que orientaria a taxa básica de juros (Selic). Reduzir o custo do crédito combatendo o spread bancário e fomentar a concorrência.
JAIR BOLSONARO (PSL)
81 páginas
A capa do plano cita passagem bíblica do livro de João: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Com forte discurso contra a esquerda e palavras como propriedade privada, família e verdade em letras maiúsculas, o documento coloca segurança, saúde e educação como prioridades.
Propõe tipificar como terrorismo a invasão de propriedades privadas e extinguir da Constituição dispositivo que retira a posse de terras de quem mantém trabalho escravo ou culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Há a intenção de reduzir a maioridade penal para 16 anos e flexibilizar o Estatuto do Desarmamento.
O texto promete concentrar as áreas de Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio no Ministério da Economia. Para diminuir em 20% o volume da dívida pública, são propostas privatizações, concessões e venda de propriedades da União.
A simplificação tributária também integra o programa, assim como a implantação de modelo de capitalização alternativo da Previdência. Na criação de empregos, haveria duas carteiras de trabalho: a azul tradicional, que seguiria a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e uma verde e amarela, valorizando acordos individuais entre empregadores e trabalhadores.
O material defende mudanças no currículo escolar, facilitando o ensino a distância, e evitando a "doutrinação e sexualizão precoce". Um dos objetivos do candidato é instalar um colégio militar do Exército em cada capital do país. Hoje, há 13 instituições do tipo, sendo 11 em capitais.
Propostas
- Flexibilizar a legislação sobre o porte de armas
É preciso encaminhar proposta de alteração do Estatuto do Desarmamento para o Congresso, mas os termos não estão no programa de governo.
- Reduzir maioridade penal para 16 anos
Também é necessário obter a aprovação do Legislativo. Há propostas em andamento no Congresso, mas o tema está parado desde o ano passado.
- Instalar em cada capital do país um colégio militar em dois anos
Seria preciso construir unidades em 16 capitais que ainda não contam com a instituição (há 13 em todo o país, 11 em capitais). O plano não indica recursos para a meta.
- Reduzir a dívida pública em 20%
O documento indica de forma genérica que a questão seria solucionada por meio de "privatizações, concessões, venda de propriedades" da União e "devolução de recursos em instituições financeiras oficiais".
- Eliminar o déficit fiscal no primeiro ano de governo
Entre as ações, são citadas o controle nos custos da folha salarial do funcionalismo, cortes de despesas e redução das renúncias fiscais.
MARINA SILVA (Rede)
46 páginas
O plano traz 20 tópicos com análise e propostas, além de apresentação da ex-senadora. Na introdução, destaca a palavra mudar em letras maiúsculas e diz que é preciso "dar um basta na velha política".
Na economia, a geração de empregos é tema central, com a redução de custos para contratações formais e aposta em programas sociais para inserção no mercado de trabalho. Também defende a autonomia do Banco Central. Cita que a carga tributária chegou ao "seu ponto máximo" e projeta unificar PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Anuncia taxação sobre dividendos e promete ainda "rígido controle do gasto público" e revisão de isenções fiscais.
Reforma da Previdência com idade mínima para aposentadoria (sem especificar qual) também foi incluída no material. Privatizações não serão tratadas com "posições dogmáticas", mas há o destaque de que Petrobras, Caixa e Banco do Brasil continuarão em poder da União.
Após polêmica em 2014, quanto retirou de seu programa, por pressão dos evangélicos, o apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, Marina incluiu a pauta entre as atuais propostas, além do direito de adoção por casais LGBT+.
Na infraestrutura, promete avançar na concessão de aeroportos, ferrovias e hidrovias, além de incentivar as parcerias público-privada (PPPs) no saneamento básico. Na segurança, destaca o controle de armas, a partir do registro e rastreamento, e a criação de Política Nacional de Medidas e Penas Alternativas.
Propostas
- Aumentar de 30% para 50% as creches para crianças de zero a três anos e universalizar para as de quatro e cinco anos
No plano, são citadas futuras parcerias com Estados e municípios, sem detalhes.
- Reforma da Previdência
Proposta de adoção gradativa de idade mínima para aposentadoria (sem especificar qual), eliminação de diferenças para quem ingressou no regime antes de 2003 e criação de sistema misto de contribuição e capitalização.
- Privatizações
Afirma que o assunto não será tabu, mas descarta a venda de Petrobras, Caixa e Banco do Brasil. Admite analisar o caso da Eletrobras.
- Refinanciamento de dívidas tributárias
Suspensão do Refis, que atualmente permite a devedores renegociarem dívidas com o governo. Além disso, promete revisar renúncias fiscais.
- Fortalecer a política de controle de armas e munição
Aprimorar os sistemas de controle, como registro e monitoramento do material comercializado no país.
CIRO GOMES (PDT)
62 páginas
O texto de abertura afirma que não se trata de um plano de governo, mas de diretrizes para discutir com a sociedade. Em relação à proposta de retirada do nome de devedores do SPC, o material indica que será criado "conjunto de ações para auxiliar na redução do endividamento de famílias e empresas", mas sem detalhes.
Na área econômica, pretende alcançar crescimento de 5% ao ano. Apoia a concessão de crédito para investimentos em infraestrutura com a volta de taxa de juros subsidiada. Além da meta de inflação, quer que o Banco Central adote "meta de desemprego". A reestatização dos campos de petróleo cedidos a empresas estrangeiras está entre as ações elencadas, assim como à Embraer.
Prevê reduzir de imediato 15% das isenções fiscais, taxar lucros e dividendos e simplificar a cobrança de tributos. Para a Previdência, propõe regime de capitalização em contas individuais e a possibilidade de adoção de idade mínima para a aposentadoria, sem especificar qual. Ciro também se compromete a revogar o teto de gastos, aprovado por Michel Temer.
Programas sociais, como o Bolsa Família, Prouni e cotas do Ensino Superior, seriam mantidos. Há a previsão de incentivo a concessões e a parcerias público-privadas (PPPs).
Na segurança, é contrário à flexibilização da posse de armas. Defende o reforço no quadro da Polícia Federal para ampliar o combate ao tráfico internacional de drogas e armamento, além da criação da Polícia de Fronteira. Projeta, ainda, a ocupação de vagas ociosas em presídios federais.
Propostas
- Renegociação de dívidas
Indica a criação de políticas para famílias e empresas endividadas, mas não aprofunda quais. O candidato optou por divulgar os detalhes da proposta sobre "tirar nomes do SPC" em cartilha exclusiva.
- Crescimento econômico de 5% ao ano
Aposta em ajuste fiscal e tributário, além da reforma da Previdência e redução de despesas com o pagamento de juros para atingir a meta.
- Incentivo financeiro para Ensino Médio
Criação de programa-piloto com o pagamento de bolsas de estudo para alunos que tiverem frequência mínima e evolução de desempenho. Não foram apresentados detalhes.
- Revisão das leis trabalhistas
Indica busca por adaptação às novas tendências do mercado de trabalho e por alavancar o empreendedorismo, mas faltam detalhes. Em entrevistas, Ciro tem dito que irá revogar trechos na reforma aprovada por Temer.
- Investir R$ 300 bilhões ao ano em infraestrutura
Sem detalhes, afirma que o investimento seria público ou por meio de estímulo ao setor privado, a partir de financiamentos do BNDES.