Pesquisadores que nos anos 2000 costumavam visitar Helsinque, na Finlândia, para entender os segredos das nações nórdicas para a educação de qualidade têm esticado, de ferry boat, a viagem até a pouco conhecida Talin, capital da Estônia. Quando se pensa nos melhores programas de ensino do mundo, a pequena nação emersa das cinzas da antiga União Soviética (URSS) tem figurado na elite global nos últimos anos.
O país do Báltico, cujo território é seis vezes menor do que a área do Rio Grande do Sul e com população inferior à de Porto Alegre, tem a melhor educação da Europa. Na área de Ciências, seus estudantes estão em terceiro lugar no mundo no último ranking do Programa Internacional para Avaliação de Alunos (Pisa), de 2016. Em compreensão textual, aparecem entre os três melhores da Europa. E, ao lado dos suíços, são os únicos do continente no top 10 mundial da matemática.
Embora os resultados em exames internacionais chamem atenção, o que mais surpreende é como a antiga república soviética faz isso se olharmos os números da economia. A Estônia é um dos países com menor Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia (UE).
O PIB per capita é de US$ 23 mil (R$ 71 mil), enquanto a média do bloco é de US$ 29,9 mil (R$ 121,3 mil). O investimento por aluno na educação básica é de cerca de US$ 7 mil (R$ 28,4 mil) por ano. Na União Europeia, a média é de US$ 10 mil (R$ 40,6 mil).
Qual a mágica? Na opinião de especialistas, trata-se de um conjunto de políticas públicas iniciado nos anos 1990 que sobrevive às mudanças transitórias de governos, com educação digital e exigência de ensino transdisciplinar. Para Fernando Becker, professor de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não se trata apenas de uma questão de investimento financeiro, mas a garantia de que a educação é valorizada como política de Estado:
— O sistema educacional não está submetido à política de governo, que muda a cada quatro anos. A grande diferença em relação ao Brasil é que, na Estônia, a educação é praticada com qualidade aferida no cotidiano. No Brasil, é muito discurso seguido de práticas deficitárias que se mantêm pela deficiente formação docente.
Algumas diferenças em relação ao Brasil se percebem no cotidiano. Na Estônia, não há concurso para escolher diretores das escolas. Candidatos são entrevistados pela prefeitura, que conta com a participação de um conselho formado por pais de alunos. Conhecimentos de gestão e educação são levados em conta. Tanto diretores quanto professores precisam ter pós-graduação. Como não há creches no país — quando os filhos nascem, homens e mulheres podem desfrutar de 36 meses de licença —, a maioria das crianças inicia a vida escolar aos dois anos e meio, no jardim de infância, e ingressa no primeiro ano aos sete.
Governo triplicou o salário de professores
Até pouco tempo atrás, o salário de um professor era baixo: o equivalente a R$ 1,8 mil. O governo mais do que triplicou o rendimento, passando para R$ 5,6 mil.
No Brasil, a média na rede pública é de R$ 3,6 mil. Os professores continuam com os mesmos alunos da primeira até a terceira série (equivalente ao Ensino Fundamental) — ou, às vezes, até a sexta —, o que garante forte empatia.
A performance nos rankings globais não é só fruto de ações visíveis. Ex-integrante do bloco soviético, a Estônia passou por um amplo processo de afirmação do Estado nacional de forma acelerada. Na educação, elaborou o primeiro currículo unificado em 1996, cinco anos depois de se declarar independente. O Brasil só aprovou sua base curricular no ano passado. Ao mesmo tempo, os estonianos guardaram como herança resquícios da era socialista, que buscava diminuir diferenças de aproveitamento entre os seus alunos. Enquanto vizinhos que estavam sob a mesma cortina de ferro, como Hungria e República Tcheca, fizeram uma transição que atendia às necessidades de suas elites, a Estônia continuou a dar oportunidades iguais a estudantes de diferentes origens sociais. A palavra utilizada por professores é equidade.
Para a pesquisadora Lauren Machado, que estudou as relações entre Estônia e Rússia para a dissertação de mestrado em Estudos Estratégicos pela UFRGS, o legado soviético pode ter influenciado na continuidade das políticas de atenção à educação pelo governo estoniano mesmo depois da queda do bloco socialista:
— Até hoje a Rússia tem taxa de alfabetização alta, chegando a ser o país com mais pessoas alfabetizadas. Há relação bem forte da Estônia, que ficou durante 70 anos como parte da URSS.
A pedagoga cearense Priscila Holanda da Costa Sousa, 36 anos, que vive há dois anos em Talin, destaca a igualdade entre os estudantes percebida no dia a dia do filho mais velho. Francisco Lucas, 10 anos, está no secundário.
— Fora as disciplinas normais, também oferecem aulas extras que a gente paga um preço simbólico, cerca de seis euros a taxa (R$ 28,2). São aulas de programação ou de idiomas como alemão e japonês —conta Priscila.
Lucas e os colegas recebem material escolar e refeição gratuitos. Escolas privadas ainda representam pequena porção do sistema educacional da Estônia.
A Estônia
- Capital - Talin
- Área - 45.339 km²
- População - 1,3 milhão de habitantes
- PIB - US$ 25,9 bilhões (2017)
No ranking do Pisa, está em 3º lugar em Ciência, 6º em Leitura e a 9º em Matemática. O Brasil está em 63ª, 59ª e 66ª posição, respectivamente.
Na Estônia, 42% dos alunos pobres têm boas notas. No Brasil, onde o sistema de ensino tem mais desigualdades internas, são 2%.
A Estônia é também um dos países com a menor quantidade de alunos no nível mais baixo de aprendizagem: são menos de 8%.
O salário do professor é hoje equivalente a R$ 5,6 mil. No Brasil, a média na rede pública é de R$ 3,6 mil.