Um dos segredos da ascensão da Estônia à elite da educação mundial está na aceleração tecnológica empreendida logo após o esfacelamento do bloco soviético. Em 1996, o governo do então presidente Toomas Hendrik Ilves decidiu apostar na economia online e na inovação tecnológica como caminho para o desenvolvimento. O slogan da época era uma brincadeira com o próprio nome do país, chamado por Ilves de e-Estonia, para reforçar a ideia de uma nação conectada.
Uma parceria entre o governo e um órgão de investimentos em tecnologia chamado Tiger Leap Foundation levou a investimentos em redes e em infraestrutura de computadores. Menos de uma década após a independência, todas as escolas do país estavam online. Nos primeiros anos de 2000, empresas privadas e públicas formaram uma parceria público-privada, criando a Look@World Foundation.
Apoiado pelos setores de telecomunicações e bancário, o projeto promoveu a conscientização digital e popularizou o uso da internet e das tecnologias da informação, em especial na educação, na ciência e na cultura. O professor Jorge Luis Nicolas Audy, superintendente de Inovação e Desenvolvimento da PUCRS, destaca a relação virtual dos cidadãos com o governo: a população é capaz de realizar online quase todos os serviços municipais ou federais.
— Toda a relação com o governo se dá por meio eletrônico. É o grande diferencial deles. Interface de governo por meio de tecnologia de informação — avalia Audy.
Skype foi desenvolvido em território estoniano
O primeiro projeto teve como objetivo superar a "hiato digital" do país, fornecendo formação gratuita em informática para mais de 100 mil participantes, ou 10% da população. Além disso, as crianças aprendem programação desde cedo. A criação do Skype em terras estonianas é apenas a face mais visível de um país que o The New York Times apelidou como "Silicon Valley no Mar Báltico" por ter aberto suas fronteiras às startups.
Do caldo sangrento de sucessivas invasões ao longo da história pode ter nascido um mix cultural que contribuiu para fortalecer a educação, segundo pesquisadores. Entreposto entre Ásia e Europa, o pequeno território foi ocupado por dinamarqueses, suecos, poloneses, alemães e russos. Sua independência só veio ao final da I Guerra Mundial, em 1918. Em 1922, 90% da população já era alfabetizada.
A liberdade durou pouco. A Estônia foi anexada em 1940 à então URSS. Só em 1991, com o fim do bloco, o território voltou a ser independente. Segundo a pesquisadora Lauren Machado, apesar do legado cultural que pode ter influenciado a valorização da educação, os estonianos fizeram questão de construir uma identidade própria, excluindo de sua história e cidadania os anos de domínio russo.
— Eles gostam de se aproximar da Europa e de se distanciar da Rússia. Eles rejeitam essa herança cultural, uma maneira de fundamentar o Estado estoniano — explica.
"Aqui, tudo é praticamente via internet"
A cearense Priscila Sousa, 36 anos, mora com o marido Edson Rodrigo Sousa, 34 anos, e os filhos Francisco, Lucas Costa Sousa, 10 anos, e João Guilherme Costa Sousa, três anos, em Talin, há quase dois anos. Da capital da Estônia, ela conversou com GaúchaZH:
"Sinto uma diferença muito grande em relação à educação no Brasil. A maioria das escolas daqui é mantida pelo governo, não é paga e tem qualidade de ensino muito boa. Eles oferecem, além do ensino, a merenda, transporte e material escolar. Foi uma das coisas que a gente mais se surpreendeu porque no Brasil, a gente passa o ano todo juntando dinheiro, 13º salário, para comprar o material escolar. E aqui você não tem esse gasto. E é um material muito bom.
Aqui, tudo é praticamente via internet. A gente tem um identidade digital, e faz tudo com ela: matrícula na escola, quando vou ao médico, os exames, as receitas de remédios, tudo é feito com esse cartão. Também tem um app pelo qual acompanho toda a vida escolar do meu filho, que eles chamam de i-Kool. Tenho acesso a todo conteúdo visto por ele em sala de aula, as atividades de classe, as notas, toda comunicação entre pais e professores é feita por meio desse aplicativo. A gente sabe de tudo.
Eles têm uma metodologia bem diferente em relação à avaliação. No Brasil, a gente avalia por nota, aqui é diferente, é nota e conceito. O aluno é avaliado pelas atividades feitas em sala de aula, pelo desempenho. Não tem vestibular. Uma coisa que eu não esperava é que a maioria das crianças vai para escola a pé sozinha. Para nós, foi um choque. A gente teve de se acostumar. É uma cidade relativamente pequena e segura. Você se sente mais tranquila. Isso dá um senso de independência maior para as crianças.
Meu filho mais novo foi diagnosticado com autismo e, aqui, existem escolas especiais. Foi muito bom para o Guilherme porque tem uma metodologia desenvolvida para crianças autistas: terapeuta ocupacional, fonoaudióloga... É um diferencial incrível, e a gente não paga por nada por isso. É o governo que paga através do seguro social. Para nós, seria bastante difícil, porque no Brasil o tratamento seria muito caro."