Responsável por deixar no passado uma era marcada por longas, conturbadas e duvidosas contagens de votos em papel, a urna eletrônica chega à eleição de 2018 com um feito: 22 anos sem o registro de fraudes. À revelia do desempenho irrepreensível, candidatos como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), que concorre à Presidência da República, questionam a credibilidade do sistema e reabrem antiga controvérsia.
O tema surgiu no debate da Band, na última quinta-feira (10), e já havia sido abordado pelo capitão reformado do Exército em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, no dia 30. Na ocasião, ele lamentou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender o voto impresso e lançou dúvidas sobre o pleito:
— As eleições, de qualquer forma, estão sob suspeição. Vamos supor que eu venha a ganhar no voto eletrônico. O outro lado vai arguir a suspeição.
O debate em torno do equipamento – usado pela primeira vez nas eleições municipais de 1996 – não é novo. Começou com o ex-governador Leonel Brizola (PDT), morto em 2004, e voltou em 2014. À época, o PSDB de Aécio Neves, derrotado por Dilma Rousseff (PT), pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para auditar a votação. Nenhuma irregularidade foi encontrada.
Ainda assim, o Congresso aprovou em 2015 proposta de emenda à Constituição de autoria de Bolsonaro determinando a impressão do registro do voto. Isto é, as urnas teriam de passar a imprimir comprovantes da votação, que seriam conferidos pelo eleitor e depositados automaticamente em um recipiente lacrado.
Em junho deste ano, o STF barrou a mudança, por entender que representaria risco ao sigilo do voto e à confiabilidade do processo. A decisão teve o apoio do TSE, que classificou a alteração como "inegável retrocesso (...) capaz de restabelecer episódios que contaminaram as eleições brasileiras até a introdução da urna eletrônica".
— O que havia, antes, era um cenário de total descrédito, marcado por lentidão, erros e irregularidades. Temos uma história de 22 anos de utilização e não há sequer um caso de fraude confirmado. Essa suspeição é, no mínimo, apartada de fatos reais. Está vinculada a questões políticas e à onda que tenta desqualificar as instituições públicas — afirma o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Dutra Janino.
O especialista destaca que a urna é protegida por mais de 30 barreiras de segurança, programadas para funcionar em camadas. Isso significa que basta uma tentativa de violação, em qualquer um dos níveis, para que um efeito-dominó trave o aparelho.
Além disso, desde 2002, o TSE realiza votações paralelas, no dia das eleições, para verificar urnas escolhidas por sorteio – tudo acompanhado por fiscais externos. De 2009 para cá, também passaram a ser feitos testes públicos. Nesta eleição, para completar o combo, o TSE fará auditoria em tempo real das urnas.
Membro do comitê do Workshop de Tecnologias Eleitorais, ligado à Sociedade Brasileira de Computação, Mario Alexandre Gazziro considera positivo esse conjunto de ações, especialmente os testes públicos. Para o pesquisador, que faz pós-doutorado no Instituto de Ciências Matemáticas e Computação da Universidade de São Paulo, o TSE "tem trabalhado bem em permitir os testes de segurança e corrigir os erros detectados pelos especialistas".
— A impressão do voto reforçaria os cuidados. Há anos tenho defendido, em conjunto com outros pesquisadores, a inserção do voto impresso, porque apenas isso garantiria a integridade dos votos — confirma Gazziro.
Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, vinculado ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, Osvaldo Catsumi Imamura diz que é preciso olhar "para o todo", e não apenas para a urna, pois é o conjunto de dispositivos, em todas as fases do processo, que impede as adulterações.
— Os ritos de segurança empregados pela Justiça Eleitoral são associados às melhores práticas do mercado e reconhecidos na forma de normas internacionais para certificação de bens e serviços de informação. Há um esforço contínuo no aperfeiçoamento do processo — ressalta Imamura.
Na avaliação do cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as críticas de Bolsonaro fazem parte de estratégia de campanha, já usada em outras ocasiões.
— Não há motivos para colocar em xeque um sistema que é auditado, testado e transparente. O que Bolsonaro está fazendo é se vacinar contra possível derrota. E não é só ele. Quem perde a eleição sempre procura um argumento para deslegitimar o pleito. Faz parte do jogo — conclui Baía.